quarta-feira, 31 de março de 2021

Estar disponível

Com o problema na perna esquerda, uma sequela da radiocirurgia na zona da bacia e fémur que teve como consequência a dificuldade em andar e a necessidade de usar canadianas, entrei num outro mundo que não conhecia... o mundo dos deficientes motores... Esta minha atual limitação fez-me ver a vida de uma outra forma que eu nunca tinha visto... Estava numa perspetiva muito egoísta e via apenas o meu umbigo? Ou pura e simplesmente vivia demasiado ocupado e obcecado pelos aspetos da minha vida que sem querer e sem me aperceber deixei de estar disponível para os outros? Penso que seria mais esta segunda hipótese, pois penso que a maioria das pessoas não são egoístas conscientemente, simplesmente estão tão focadas em si próprias que deixam de "olhar para o lado" o que era nitidamente o meu caso e acredito que o da maioria das pessoas.

Neste minha nova vida além de andar de canadianas tambem ando bastante mais lento pois o facto de a radioterapia me ter afetado vários nervos na zona da anca e bacia tornou mais difíceis todos os movimentos. Assim, tenho me deparado com situações bem caricatas, algumas que ate me dão alguma vontade de rir pese embora a gravidade da situação. Pessoas que se apressam a passar me à frente aproveitando-se da minha lentidão... Outros que olham pelo canto do olho fingindo que não me veem para não ter que me dar a sua vez... Muitos que estão tão absorvidos no seu mundo que acredito mesmo que não me veem... E acredito porque muito provavelmente eu ha uns tempos se calhar também eu era assim, embora eu me lembre que sempre que via alguém a precisar de lugar ou de vez me disponibilizar imediatamente mas admito que possam ter havido vezes que eu próprio estava tão focado noutros assuntos que nem me apercebia das necessidades alheias. 

Deste tipo de situações quase que dava para fazer uma estatística do tipo de pessoas que mais dificuldade têm em disponibilizar-se para aos outros. Tenho constatado que as mulheres oferecem mais resistência em disponibilizar a sua vez que os homens... que os mais velhos têm mais dificuldade em disponibilizar o seu lugar que os mais novos... E ironia das ironias, o local onde é mais dificil alguém disponibilizar a sua vez, é no IPO...

Mas também existem coisas positivas, não é tudo mau... aprendi a pedir ajuda que era uma coisa que eu tinha muita dificuldade em fazer... Orgulho ferido? talvez... não o vou negar... às vezes é mais fácil ajudar do que pedir ajuda... Mas o destino e a necessidade faz-nos sair da nossa zona de conforto e fazer coisas para as quais também não estávamos disponíveis e no meu caso, uma dessas coisas era precisamente pedir ajuda... Nesta conformidade e passados todos estes meses já não tenho qualquer problema em pedir ajuda quando preciso e muitas vezes fazer valer os meus direitos de deficiente motor...

De tudo isto, confrontei-me com algumas limitações que nos atingem a todos enquanto humanidade, a primeira é que existe uma dificuldade efetiva de estarmos disponíveis para as necessidades dos outros sendo que na sua maioria resultam de estarmos demasiado focados em nós próprios, nas nossas necessidades e nas dos que nos são mais próximos. Esta falta de disponibilidade resulta em grande parte do nosso modo de vida atual, vivemos focados nos objetivos materiais e monetários e na sua ostentação de tal forma que temos dificuldade em olhar para o lado e sentirmos as necessidades de ajuda dos outros. A segunda é a dificuldade que a maioria de nós tem em pedir ajuda, um dos nossos defeitos de caracter coletivos, o orgulho. Pensamos muito frequentemente que pedir ajuda é um pouco rebaixarmo-nos aos outros por isso pedir ajuda é uma das formas de ferirmos o nosso orgulho. Para ultrapassarmos isto é necessário, primeiro reconhecer este nosso defeito, coisa que não é assim tão fácil de efetuar (até porque a maioria das pessoas não tem essa consciencia) e que necessita de algum trabalho de introspeção e meditação, depois tentar corrigir no nosso dia a dia esta nossa limitação pedindo ajuda sempre que dela necessitamos.

Agora passado quase um ano desde que adquiri esta situação, peço ajuda quando necessito e de uma forma geral as pessoas ajudam, mas muitas vezes tenho de pedir para me tornar visível, pois se não o fizer vão continuar a não me ver...

De qualquer forma existem 2 coisas a reter... primeiro que temos todos de estar mais disponíveis para os outros e depois que temos todos de deixar o orgulho de lado e estarmos disponiveis para pedir ajuda quando a necessitamos.




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