quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A Solidão do Cancro

O cancro é uma caminhada de solidão.... O sentimento de solidão nos doentes oncológicos está relacionado com diversos fatores, primeiro pela forma como o próprio doente encara a doença... depois pela própria representação social do cancro, pelas as alterações físicas causadas pela doença e pela conspiração do silêncio.


A primeira fase da solidão começa no diagnóstico... pois mesmo que todos os nossos amigos fiquem ao nosso lado a tentar acarinhar-nos e dar-nos o seu apoio, a nossa sensação é que eles não nos entendem, não sabem pelo que estamos a passar, não sabem o que pensamos, não sabem o que nos preocupa, não conseguem atingir nem de perto nem de longe o nosso sofrimento, as nossas preocupações, as nossas angústias, os nossos medos, os nossos anseios, etc... Esta é pois a primeira fase da solidão, o sentir que ninguém que não tenha passado por um processo semelhante ao nosso nos entende... este tipo de solidão é pois intrínseco à doença... não depende dos outros, só depende da forma como nós o doentes consigamos ou não ultrapassar este nosso limite. Esta solidão que provocamos a nós próprios é talvez a mais difícil de superar pois nem sempre temos a força necessária para nos libertarmos dela e é nesse contexto que assistimos numa primeira fase a um afastamento de muitos doentes oncológicos da sua rede de amigos e contactos... por sua própria iniciativa.


Também existe a solidão provocada pelos outros... a conspiração do silêncio... o facto é que o cancro carrega um estigma de morte muito forte, e muitas pessoas não sabem como lidar com quem foi diagnosticado, porque não sabem lidar com a morte. Então, é muito comum as pessoas afastarem-se, elas não se sentem confortáveis ao nosso lado e os doentes oncológicos ficam ainda mais sozinhos... em alguns casos até mesmo os familiares se afastam. No início ficamos um pouco tristes mas depois acabamos por entender e respeitar a escolha deles sem ressentimentos ainda que com alguma tristeza e no fim compreendemos que a grande maioria das pessoas não estão preparadas para viver perto de quem tem um problema de cancro.


No nosso percurso acabamos por ficar confinados aos familiares mais chegados.... e alguns amigos que ou já passaram por processos idênticos ou então são daqueles mesmo verdadeiros que apoiam até ao fim... Temos que entender, e isso é fundamental para nós, que é muito difícil a quem não passou por este processo que nos entendam e nos consigam apoiar... é uma realidade com a qual temos de aprender a viver e sobretudo a não criar raivas nem ressentimentos porque se o fizermos pior será para nós... Num estudo sobre a morte feito no Brasil, 48% dos entrevistados consideraram depressivo falar sobre morte e 28% consideraram mesmo mórbido, 45% responderam não se sentir à vontade para ir a funerais e velórios. Há quem diga que estamos "matando a morte" de tanto tentar ignorá-la...


No mesmo sentido, quando há progressão na doença também se assiste a uma debandada dos amigos, pois a progressão remete imediatamente para uma fase mais próxima da terminal e ninguém aguenta ver os amigos numa fase terminal... e finalmente a última fase, a das alterações físicas, em que o doente fica mesmo confinado ao seu círculo mais restrito... embora pense que nessa fase, nem mesmo o próprio doente se sinta muito à vontade com os seus amigos pois a simples ideia de lhes causar algum tipo de choque e provocar a sua "pena" não parece lá muito agradável...
O doente oncológico tem então mais um desafio pela frente... não menos difícil que os outros... aceitar o afastamento de alguns amigos... de uma forma serena... sem raivas nem ressentimentos e como? tentando compreender os porquês de tais comportamentos ao invés de ressentir as consequências desses comportamentos... tentando entender a fragilidade dos seus amigos e as suas limitações emocionais e sobretudo perdoando esses seus comportamentos e não deixando que os mesmos aumentem a sua tristeza... 
Nós não podemos modificar os outros... só eles próprios o podem fazer.. se o pretenderem e se conseguirem... Nós só podemos modificar-nos a nós próprios no sentido de entendermos os outros e não nos deixarmos levar por sentimentos negativos de rejeição ou ressentimentos pois eles não nos ajudarão em nada e apenas contribuirão para gastarmos as nossas energias...

Tenham uma boa semana!






quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Seis coisas que não devem dizer a uma pessoa com câncro

Numa das minhas habituais pesquisas sobre cancro, encontrei na página do El País - Brasil um título que me chamou a atenção e no qual me identifiquei na perfeição. Como sei que este blog é lido por muitas pessoas que não têm cancro, achei que seria uma boa oportunidade para tentar elucidar as pessoas sobre aquele tipo de asserções que não têm normalmente o impacto que pretendemos quando falamos com pessoas com doença oncológica e podem mesmo ter o resultado contrário. O artigo foi feito pela Associação Espanhola Contra o Câncer (AECC) e pelo Grupo Espanhol de Pacientes com Câncer (GEPAC) e refere o seguinte:

1. “Não se preocupe, não vai acontecer nada”: O GEPAC afirma que naturalizar não é sinônimo de relativizar, afinal, “um diagnóstico de câncer é uma das situações mais difíceis, estressantes e que mais assustam nossa sociedade. Poucas doenças causam tantos problemas que afetam nos níveis cognitivo e emocional”. Não esqueçamos que ainda que hoje em dia, com os exames, diagnóstico precoce e novos tratamentos, os prognósticos sejam mais favoráveis, existem fatores como “sua cronicidade, a incerteza sobre sua evolução, efeitos colaterais dos tratamentos e conotação social da palavra câncer que geram mal-estar psicológico” .

2. “Você tem que aceitar receber ajuda”: Muitas vezes, tentando ajudar, o que fazemos é nos tornar superprotetores e nos empenhamos para criar necessidades que essa pessoa, talvez, nem tenha. Frases do tipo: “Você tem que falar com alguém”; “tem que desabafar”; “você tem que parar de trabalhar; “você tem que pedir ajuda”; ou qualquer outra que comece com “você tem que...”, segundo a AECC, “só geram insegurança no paciente. A ajuda deve ser oferecida, não imposta. Quando uma pessoa é diagnosticada com câncer, não se transforma em outra pessoa, continua sendo ela, com sua capacidade de pensar, de tomar decisões e saber o que quer e o que não quer fazer”.

3. "Se você for positivo, vai se curar": É uma das frases destacadas pelo GEPAC, porque, além de não ser correta, pode gerar uma grande frustração. Ser diagnosticado com câncer não é uma notícia positiva, e, claro, o paciente, como qualquer outra pessoa em qualquer outra circunstância da vida, terá momentos melhores e piores. “Existe uma tendência muito enraizada de pensar que a atitude que o paciente tenha durante a doença irá determinar o progresso da mesma. Portanto, é muito normal que os pacientes ouçam frases como: “Você tem que ser forte e lutar”; “você tem que ser positivo”; sua atitude faz parte da cura”; “você vai ver como tudo vai correr bem, mas depende de você”; “se estiver desanimado, a doença perceberá isso” etc., destaca a AECC. Tais comentários geram uma enorme pressão sobre o paciente, que não consegue estar sempre feliz e positivo, já que o “normal é ter medo, tristeza, raiva e desesperança, de modo que a imposição do positivismo só gera um sentimento adicional de culpa”.

4. “É a pior coisa que poderia acontecer com você”: Embora seja conveniente entender que a pessoa possa ter seus altos e baixos, o que certamente não ajuda é contribuir com nossa negatividade em seus maus momentos. “Há pessoas que confundem drama com empatia e pensam que o paciente se sente acompanhado e compreendido diante de expressões como: “Que horror passar por isso”’; “é a pior coisa que poderia acontecer com você”; “o câncer, já se sabe...”; “sua família deve estar arrasada”... Tais afirmações aumentam o medo que o paciente tem da doença e intensificam seus níveis de angústia”, afirma a AECC. O GEPAC recomenda, em vez disso, melhorar a comunicação com “ferramentas para conviver com a doença”.

5. “Não diga isso”: Muitas vezes, sem perceber, impomos à outra pessoa o que ela deve dizer, pensar ou mesmo sentir, o que a AECC explica como sendo uma “imposição de emoções que o paciente não sente e a recusa em permitir que expresse o que realmente sente”. Assim, surgem expressões como “não chore, você tem que ver a parte boa”; '”não diga isso, porque sua família tem de vê-lo bem; “você tem que estar feliz, porque foi diagnosticado a tempo”. Na opinião da AECC, “essas expressões levam o paciente a lidar com suas emoções na solidão, quando o que realmente precisa é de alguém para dizer “fale como se sente” e que não lhe interrompa, e sim valide suas emoções, sem tentar negá-las ou mudá-las.

6. “Aconteceu o mesmo com minha tia”: Hoje em dia, é difícil não ter alguém próximo que tenha tido a doença, mas nem todos os tipos de câncer são iguais, e as pessoas não o experimentam da mesma maneira. “Comparar a situação do paciente com a de outras pode ser muito contraproducente, uma vez que cada caso é completamente diferente. O paciente sabe disso e não é capaz de se identificar com outros casos.” Além disso, o GEPAC também recomenda evitar frases como “tal pessoa é fenomenal”; há um artigo muito bom que diz...”; “li que há um novo tratamento que cura o câncer...”, porque podem gerar expectativas que não estão relacionadas com a doença concreta do paciente.

Pois é meus amigos, por favor... parem de atentar as pessoas com cancro com este tipo de asserções... já tive a "felicidade" de experimentar todo este tipo de frases e as que mais detesto são "Se você for positivo, vai se curar", “Aconteceu o mesmo com minha tia” e “Não diga isso” e posso vos garantir que o sentimento não é bom e o que acontece é eu não continuar a conversa porque alem de ser inútil leva-me a espaços onde não me sinto bem e então corto e mudo de conversa.... até porque se me opuser a outra parte vai aumentar a ofensiva e as coisas ficam ainda piores...

Primeiro, cada tipo de cancro é distinto e não tem comparação com os outros que conhecemos... nem nas características, nem no tratamento, nem na progressão da doença, aliás... o mesmo tipo de cancro tem evoluções distintas em cada caso, pois a complexidade é tão grande que até o tecido onde o tumor se forma, tem influência na progressão..... depois caiam na realidade, o positivismo não cura..., o cemitério está cheio de pessoas que acreditavam que se iam curar....  e parem de dizer as pessoas com cancro o que elas devem dizer e pensar... é inútil e deixa as pessoas angustiadas...

Por fim quero pedir desculpa a todos o que leram este texto e que de alguma forma me disseram coisas destas ou afins porque nós os doentes oncológicos sabemos perfeitamente que a intenção das pessoas que dizem este tipo de coisas, é tão somente ajudar-nos e dar-nos algum contributo positivo e por isso eu entendo e compreendo este tipo de coisas... e não fico a pensar mal das pessoas que têm estas asserções... mas muitas vezes a única ajuda que nos podem mesmo dar é apenas ouvir-nos... pois ao escutarem-nos sabemos que estão ao nosso lado a ouvir-nos e isso conforta-nos muito mais do que possam pensar....

Tenham uma boa semana!


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Gerir emoções

Na nossa actual cultura e sociedade está de alguma forma implícito que sentir algumas emoções é mau. Não devemos mostrar-nos tristes e o choro deve ser evitado, existindo uma pressão social para estarmos sempre bem dispostos e sorridentes, para isso evitam-se as situações que de qualquer forma possam gerar sofrimento, chamam-lhe energias negativas e fogem delas... tentam viver ad eternum em felicidade plena... e como isso não existe vive-se numa espécie de ilusão forçada que só tem feed back nas redes sociais como o facebook e instagram, pois aí sim pode-se construir uma vida de sonho para mostrar aos nossos amigos, os quais, de uma forma geral, fazem a mesma coisa... e descobrimos que afinal somos todos felizes e temos todos vidas de sonho....

Mas a realidade é muito diferente disso... as emoções vivem par a par connosco, fazem parte da nossa sensibilidade pessoal... e muitas vezes é nos extremamente difícil conseguir travá-las, outras vezes é mesmo necessário deixarmos que a emoção nos deite abaixo para depois nos podermos reconstruir com as novas realidades...

Em termos emocionais costuma-se designar o processo oncológico como uma montanha russa, pois no espaço que medeia entre o inicio do diagnóstico e a partida da morte muita coisa se passa, mais ou menos conforme cada sobrevida de cada situação... pois nós não somos diagnosticados e morremos no dia seguinte... Não! Todos temos um, mais ou menos, longo caminho a percorrer até partirmos...

No day after começa o processo, há alturas em que conseguimos desfocar completamente da doença e sentimo-nos bem, normais.. quase como se nada se passasse... é normal... é humano... eu diria que é mesmo uma necessidade...  outras vezes aflora do nada um simples pensamento e abre-se a torneira da emoção em modo autónomo, crava-nos com as suas garras poderosas e só nos larga quando quer... a alegria dá lugar à tristeza mórbida que por sua vez dá lugar a um estado semi-depressivo de medo, tristeza, desgosto, raiva, desespero... sei lá... um leque tão vasto de emoções que se torna difícil de explicar por palavras, é a célebre "montanha russa" dos doentes oncológicos.

Então o doente oncológico vivendo nesta montanha russa emocional que pode fazer?

Viver ao sabor da montanha russa ou viver com a montanha russa.

É que meus amigos, é impossível eliminar esta gradação emotiva no dia a dia mas é possível conviver com ela de uma forma mais ou menos saudável... para isso é necessário algum treino... e sobretudo aprender a identificar quando podemos e devemos travar as emoções e quando as devemos deixar extravasar... esse é o ponto fulcral ou o busílis da questão....

É que se vivermos sempre com a emoção à flor da pele, paramos na doença, antecipamos o fim, antecipamos o sofrimento e não deixamos sequer que outros sentimentos ocupem o seu espaço natural pois a emoção domina tudo.. Ninguém consegue levar a sua vida para a frente se se deixar levar permanentemente pela emoção... O doente oncológico deve combater o mais possível este princípio, e tentar dominar a emoção é o primeiro passo para levantar cabeça, para começar a caminhada para a frente... independentemente do diagnóstico... Mesmo nos mais negros... Porque a emoção a maior parte das vezes derrota-nos, deixa-nos num estado miserável de autopiedade que é de todo evitável... e as consequências já as conhecemos...

Na minha experiência pessoal, tento viver com esta emotividade mas da forma mais controlada possível, muitas vezes só o consigo desfocando a minha atenção para outras coisas tais como o trabalho, hobbies, etc... É sempre esta a forma como consigo melhor lidar com a emoção.

No entanto há alturas que temos mesmo de deixar vir a emoção ao cimo porque enfrentamos fases de luto, porque temos que lidar com as perdas e todos os dias ou quase todos o doente oncológico se confronta com situações de perda, perda porque subiu a tensão quando estávamos com tudo controlado, perda porque desceram as plaquetas e não há medicamento nenhum para as subir, perda porque um doente nosso conhecido, com o mesmo tipo de cancro que nós, partiu e deixou um vazio e um aviso que nos remete para a nossa própria morte... perda por ver que temos de deixar de fazer coisas que gostávamos... e provavelmente nunca mais as poderemos fazer... perda por verificarmos que temos uma nova situação com novas limitações.. tanto motivos possíveis... perda porque o cancro avançou e nós não o esperávamos, outras vezes até o esperávamos mas isso não diminuiu em nada a nossa perda... 

O processo oncológico é um processo de lutos e de perdas permanente, a todo o tempo vão existir situações de perda.. pelo que é fundamental tentar controlar a forma como vivemos e resolvemos interiormente estas perdas e consequentemente as emoções que lhes estão intrínsecas... quando enfrentamos as perdas temos de abrir as portas da emoção para curar e lamber as feridas, muitas vezes é necessário chorar para aplacar as nossas angustias... é necessário...é humano... é uma das formas de auto cura natural... mas convém que o saibamos fazer, de uma forma controlada, isto é.... quando é mais cómodo, quando estamos sozinhos e podemos desabafar ou então quando estamos com alguém com quem nos sentimos melhor... tudo isto depende caso a caso...
Já houve situações em que não consegui controlar a emoção e foi complicado e angustiante. Lembro-me uma vez que vinha no metro em Lisboa, ocorreu-me um pensamento que me provocou lágrimas, o metro vinha cheio e senti os olhos rasos de lágrimas, algumas ainda caíram... as pessoas aperceberam-se e senti-me mal... mas limpei os olhos e recuperei a postura... depois mais tarde quando estava sozinho e à vontade relembrei o pensamento e voltei a emocionar me mas desta vez estava à vontade e deixei soltar toda a emoção... bati no fundo e reconstrui-me com mais segurança... chorar faz bem... mas quando queremos... porque se for desordenadamente não conseguimos fazer nada....

Com o tempo aprendi a controlar as emoções e quando começo a sentir que um pensamento me vai provocar emoção imediatamente tento focar me noutro assunto e costuma resultar.... Depois assim que fico com mais privacidade.... revivo o pensamento e deixo fluir.... ou seja, não se trata de bloquear a emotividade, trata-se de a tentar controlar de forma a que venha quando nós a estamos mais aptos a sentir... e a aproveitar para que essa emoção nos toque de forma mais construtiva e menos destrutiva...

Isto não se consegue de um dia para o outro.... há ainda situações que não domino e haverão sempre algumas que não dominarei, mas o facto é que com algum treino consigo controlar minimamente a parte emocional, não a espartilhando mas controlando-a de forma a conseguir viver com ela de uma forma menos dramática e sobretudo a evitar que a emoção domine a minha vida e me ampute daquilo que pretendo fazer e sonhar no tempo que disponho... ter ainda alguns momentos de eternidade e viver o tempo que me resta junto de quem amo com o melhor bem estar possível e sem dramatismo.....

Carpe Diem!




sábado, 17 de novembro de 2018

PARABÉNS HELENA!


Vou aceitando o meu final aos poucos conforme consigo, com avanços e recuos na aceitação, com momentos de tristeza e dor, um dia de cada vez... mas ainda consigo ter momentos felizes de eternidade... é preciso procurá-los, a felicidade não vem de fora, vem de dentro... há que construí-la.... 

À primeira vista parece que consegui superar as dificuldades e que estou em perfeita e maravilhosa aceitação e em parte é verdade... mas não se iludam... não sou heroi... nem penitente... nem um caso fora de série... tenho alguma força interior é verdade... sou positivo... sou lutador... tenho algumas características que ajudam neste processo... mas que seria de mim sem o suporte que me ajuda no back office? como estaria eu hoje sem os meus cuidadores? a minha base, o meu back office.... a minha familia... a minha mulher e os meus filhos... diz-se na giria "por detrás de uma grande homem, existe sempre uma grande mulher" pois é.... e podem crer que é verdade...

Eu não consigo imaginar como seria a minha vida pós-cancro sem o amor incodicional da minha mais que tudo... não consigo imaginar como seriam as minhas noites sem o aconchego e o carinho da pessoa por quem eu um dia me apaixonei, não consigo imaginar com quem eu me riria ao serão e ao jantar de coisas parvas e simples apesar da doença... não consigo imaginar como seria ter que aceitar o meu destino oncológico sem amar alguem, ou não ter o amor desse alguém... não consigo imaginar como seria não partilhar a minha dor e as minhas pequenas vitórias e alegrias sozinho sem a pessoa que eu amo... não consigo imaginar a vida sem ti HELENA!

Fomos um casal normal com todos os problemas dos casais normais, altos e baixos, muitas zangas e amuos mas sempre com reconciliações ao mesmo nível, ou não fossemos touro e escorpião, fomos criando laços fortes ao longo da vida, fomos vivenciando as nossas vitorias, as nossas tristezas, as nossas alegrias e as nossas decepções... mas ao mesmo tempo fomos quase que inconscientemente criando laços muito fortes que ao invés de nos separarem nos uniram e fizeram com que chegássemos aqui...

O cancro ao invés de nos separar veio mostrar os laços fortes que sempre existiram entre nós e veio sobretudo mostrar-me a natureza da companheira de uma vida.... Felizmente tenho uma companheira que me torna os dias mais fáceis, eu sou lutador é verdade, mas sozinho não faço milagres... Sempre do meu lado ou na minha rectaguarda, sempre pronta, é uma admiração extrema...é uma gratidão do tamanho do mundo, é um amor inexplicável... é uma forma de vida...

Eu tenho o maior respeito pelos cuidadores conjugues, homens ou mulheres...tanto faz, eles vivem os nossos problemas quase na 1ª pessoa, eles são a primeira pessoa a quem nos queixamos, eles sabem todos os nossos problemas ao pormenor... eles vivem o dia a dia deles a pensar e a tentar resolver os nossos problemas, eles sentem quase tudo o que nós sentimos... e a acrescer a isso eles vivem também os deles decorrentes da nossa doença, a perda, sim porque eles também têm que lidar com a perda, com a perda do companheiro(a) que somos nós, com as perdas decorrentes da nossa morte, com todas as consequencias que a nossa partida lhes trará no futuro e ao mesmo tempo apoiar-nos, gerir os filhos e amar-nos... afinal eles(elas) são os NOSSOS HERÓIS, sim os nossos verdadeiros herois.... é difícil o papel deles... e não há dúvidas que só conseguem porque nos amam porque caso contrário não teriam forças para tal empresa....

Hoje amo ainda mais a minha mulher.., sem qualquer dúvida ou incerteza... às vezes parece que voltei a apaixonar-me como há uns anos atrás... não sei muito bem explicar esse sentimento, talvez seja a mistura de amor e gratidão que dá um complexo tão forte e explosivo que fico na dúvida se não será paixão!

PARABÉNS HELENA

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Caminho Inca de Salkantay

Dois dias antes quando chegámos a Cusco tinha vindo falar connosco a equipa da parte do trekking que tínhamos como opção na nossa viagem e ficámos admirados pois como só nos os dois tínhamos essa opção pensámos que seríamos integrados noutro grupo de trekking o que não nos provocava qualquer tipo de problema mas eis senão o nosso espanto quando nos dizem que o grupo seria formado apenas por nós, pelo guia, um cozinheiro e um arreeiro que trataria das cargas, montagem das tendas e das mulas que levavam a carga... wow! isto sim era uma aventura perfeita....



1º DIA

Ainda era noite em Cusco quando nos levantámos, no dia anterior tínhamos deixado tudo a postos de pegar e seguir... uma mala de trekking só com as coisas que íamos necessitar para fazer o caminho inca a ser transportado nas mulas, uma mochila para as coisas diárias, um par de botas de montanha e um par de bastões que nos acompanham sempre neste tipo de viagens...
Quando saímos ainda não serviam o pequeno almoço, o guia e o cozinheiro esperavam-nos na receção do hotel e lá fomos no mini bus da empresa de trekking direito às montanhas até uma aldeia de nome Molepata...

Este caminho inca de Salkantay apareceu-nos como alternativa, pois o nosso objetivo inicial era o caminho inca clássico e histórico que percorre um trilho de selva e de media montanha com uma altitude máxima de 4.200m, muito conhecido e considerado como um dos mais belos e interessantes do mundo para trekking. Mas este caminho tem muita procura e quando compramos a viagem já estava esgotado pelo que tivemos de optar pelo caminho de salkantay que deve o nome à montanha de Salkantay e, pelo que pesquisei previamente não fica muito aquém do outro, por onde passa e marca o inicio do parque natural de Machu Pichu.

Em Molepata parámos e tomámos o pequeno almoço tradicional quéchua, ovos fritos, pão, café e panquecas...

Acabado o pequeno almoço continuamos no transporte até um local onde nos esperava o arreeiro e duas mulas para transporte dos acessórios nossos e deles e lá partiu toda a equipa, primeiro o cozinheiro e o arreeiro e os cavalos e depois partimos nós por outro caminho mais elevado. 

À nossa frente ia-se desenhando um explêndido vale e passámos a caminhar numa levada de origem inca a qual com a paisagem circundante criava uma paisagem idílica de média montanha...




 Ao fundo a montanha de Salkantay ia-se deixando descobrir entre as nuvens....



Atrás olhámos o local onde tínhamos iniciado o trekking...



E perto da hora de almoço chegámos ao local do acampamento onde pernoitaríamos a 3.900 metros de altitude... Soraypampa! Um acampamento permanente com algumas instalações fixas, wcs, banhos e sala de refeições e espaços com uma espécie de coberturas de colmo plastificadas por dentro onde se armam as tendas ficando assim protegidas do frio, da chuva e da intempérie em geral.




Descansamos um pouco e esperamos pelo almoço preparado pelo nosso cozinheiro, uma magnifica refeição com um ótimo aspeto!









Depois de almoço, a nossa primeira barreira de dificuldade, subida ao lago Hummantay a 4.200 metros, ou seja uma subida a pique de cerca de 300 metros para ajudar a digestão... Confesso que depois de um repasto daquele não foi tarefa completamente fácil vencer a subida mas o resultado foi muito mais que suficiente para a justificar.



 












E assim visitámos a famosa laguna de Hummantay e voltámos para os nossos aposentos 5 estrelas, onde dormimos uma sesta antes do jantar... 




Depois do jantar o guia veio trazer-nos 2 sacos de agua quente de borracha que eu já nem me lembrava que existiam.... ficamos um pouco surpreendidos pois nunca nos lembrámos de tamanho aquecimento central para a tenda mas posso dizer-vos que um saco destes dentro dos nossos sacos camas térmicos preparados para temperaturas negativas.... deu calorzinho até ao outro dia de manhã....



2º DIA


Por volta das 5:00 da manhã... vieram acordar-nos à tenda, com um chá de mate bem quentinho e uma bacia de agua quente para lavarmos a cara.... meu Deus... já tinha acampado muitas vezes... mas nunca com estas condições tão principescas.... e assim foi durante os dias seguintes de trekking....

Depois de tomado um bom e completo pequeno almoço, iniciámos a nossa jornada pelo vale acima em direção à montanha de Salkantay.





Ao fundo começamos a ver os picos prateados da montanha de Salkantay, 





 E estamos já em plena alta montanha com a sua paisagem tão agreste e simultaneamente tão bela... 




Só quem sobe a estas planura sabe o que nos move e porque gostamos de estar aqui....








Daí a pouco... alcançamos os tão ansiados 4.630m, o ponto mais alto de todo o percurso, o paso de Salkantay





E mais uma vez aquela sensação de auto superação, aquela felicidade que não se explica, são os momentos de eternidade que se haviam ainda de repetir neste lindo percurso! O glaciar de Salkantay é um cenário grandioso e tudo à nossa volta nos faz sentir sensações de absoluta felicidade... O azul turquesa da Laguna de Salkantay em contraste com o glaciar, lugar único....

Festejámos com o nosso guia Heberth Choquehuanca, um excelente guia ainda muito novo mas muito profissional com um grande conhecimento da história pré colombiana que permitiu obtermos um conhecimento profundo sobre os locais que percorremos.






Depois de descansar um pouco iniciámos a descida para os 2.700m... ou seja, quase 2.000 metros de descida até chegarmos ao local de pernoita...






Mais umas 2 horas a descer e parámos para almoçar.... descansámos um pouco pois ainda nos faltava uma grande descida. Deixámos a alta montanha e entrámos no inicio da selva.... a vegetação luxuriante começou a acompanhar-nos o frio seco passou a calor a temperatura amena e húmida... diferente mas não menos belo...






A mudança de vegetação para a selva











E finalmente o nosso destino, Colcapampa, uma espécie de acampamento permanente igual ao do primeiro dia com todo o tipo de instalações de apoio, wc's, banhos, sala de refeições e claro as tendas, com a nossa já montada e os nossos pertences lá dentro..




Depois de um banho quente recuperante, descansamos um pouco, jantámos e fomos para o descanso dos guerreiros...




3º DIA


Pelas 5 da madrugada lá nos vieram bater a porta da tenda... com o mate e bacia de agua morna... um verdadeiro luxo asiático da dormida em tenda. Levantámo-nos, arrumámos os sacos que sempre deixávamos fechados dentro da tenda para o arreeiro os transportar nos cavalos. Tomámos o pequeno almoço, nasceu o sol e seguimos o nosso percurso.






















18 quilómetros percorridos plenos de pequenas subidas e descidas, algo cansativo mas também muito bonito sempre acompanhando o vale do rio Urubamba, chegámos ao local de almoço e dormida, esta jornada com menos dificuldades permitiu-se fazer mais rápida.  Depois de almoço e por sugestão do guia fomos passar a tarde às piscinas de águas termais quentes de Santa Teresa, um complexo de várias piscinas com temperaturas distintas que vão dos 30 aos 44 graus, estas termas são de águas cristalinas e sem odor porque não são aguas vulcânicas.

Escusado será dizer que passámos uma tarde digna dos deuses....













E assim se passou o terceiro dia.... e chegámos à nossa ultima noite de trekking com dormida em tenda.



4º DIA


Chegámos assim ao nosso ultimo dia de trekking com um percurso desde Santa Teresa até Aguas Calientes, povoação de acesso a Machu Pichu.  Depois de um pequeno transfer chegámos a uma estação hidroelectrica de onde parte uma linha férrea para Aguas Calientes, o nosso percurso seria sempre ao lado da linha férrea que percorre um vale sinuoso e muito profundo que circunda a montanha de Machu Pichu, trata-se de um vale de selva luxuriante muito bonito e agradável... o percurso é perfeitamente plano e sem qualquer tipo de dificuldade.














Pormenores da montanha de Machu Pichu












Cerca de 10km em ameno passeio... por entre vegetação frondosa, num ambiente já de selva, com os sons da natureza, pássaros, o rio... num cenário muito bonito... assim chegamos a Águas Calientes, e finalmente  ao final do trekking onde nos espera um quarto de hotel com todo o conforto.



Águas Calientes


Missão cumprida!


Neste dia tivemos a despedida do trekking com um belo jantar oferecido pela empresa num bom restaurante de Aguas Calientes e depois fomos descansar pois no dia seguinte teríamos que nos levantar muito cedo para atingir o nosso objetivo máximo, subir a Machu Pichu, a lendária cidade Inca.....


5º Dia - Machu Pichu


Pelas 5 da madrugada mais uma vez tocou o despertador, levantamos nos e fomos tomar o pequeno almoço e logo de seguida juntámo-nos ao guia e fomos para a fila dos autocarros que sobem a Machu Pichu, a cidade perdida dos Incas. Esperamos pelo transporte e lá chegámos decorridos uns minutos, estava quase a nascer o astro rei tímido por entre as nuvens... e maravilha das maravilhas, entrámos em Machu Pichu!!!!!!

O sol ainda não tinha despontado... éramos o primeiro contingente da manhã a entrar na cidade perdida....






Nascer do Sol sobre Machu Pichu!




Iniciámos então a visita à cidade lendária ouvindo as explicações do guia sobre a função de cada edifício e os aspetos da vida pré-colombiana nas cidades incas...










Demorámos quase toda a manhã... voltámos Águas Calientes, almoçámos e apanhámos o famoso comboio panorâmico Inca rail com destino a Olantaytambo, onde nos esperava um transfer para o Hotel em Cusco!




E assim terminou a nossa viagem ao Peru.... foram dias maravilhosos e inesquecíveis....  há uns tempos atrás pensei que não viria a ter esta oportunidade.... Hoje sinto-me imensamente grato... por ter conseguido fazer mais esta aventura e ainda bem que a fiz....!

A todos os que vivem os seus dias oncológicos sugiro que não se deixem levar pela tristeza nem pela angústia, não deixem cavalgar a autopiedade... Se continuarmos mergulhados nas teias da autopiedade os nossos olhos fechar-se-ão para a beleza de cada dia... Se insistirmos no sofrimento de ontem...e no receio da dor do amanhã, perdemos por completo a beleza do dia de hoje.....

Ao olhar o dia de hoje e disfrutarmos de tudo o que ele oferece substituímos a autopiedade pela gratidão, gratidão por ainda estarmos aqui e a disfrutar algumas coisas que gostamos ainda que seja de uma forma algo limitada....