SOBREVIVENTES VERSUS GUERREIROS
Até sempre Artur |
O cancro renal representa cerca de 2 a 3% do total dos cancros, por isso é ainda pouco estudado e tem poucas soluções. No estado de avançado ou metastizado ainda não tem cura, assim, o objetivo do tratamento consiste em prolongar a vida o mais possível, com a melhor qualidade possível.
SOBREVIVENTES VERSUS GUERREIROS
Até sempre Artur |
E assim cheguei ao 5º ano de sobrevida... Não foi fácil mas foi o possível...! No início deram-me como limite 5 anos pois a estatística da altura apontava para apenas 9% de sobreviventes ao fim de 5 anos... A ultima atualização do site da American Cancer Society refere 13%, o que é bastante bom apesar de pouco.
Há cinco anos não achava que fosse possível chegar aqui, mas passito a passito cá cheguei. Como foram estes 5 anos? Posso considerar várias etapas segundo a minha qualidade de vida.
2016-2018 - 1º linha de tratamento
Após um breve período inicial com o tratamento do Sunitinib, com muitos e severos efeitos secundários que me retiravam muita qualidade de vida, aceitei a sugestão da minha médica de passar para o Pazopanib que, apesar de ter também muitos efeitos secundários, não eram assim tão severos. A partir daí deixei de ter o síndrome de mão-pé (punha-me as mãos e os pés em ferida), o que só por si foi uma lufada de ar fresco na minha vida. Contudo, durante todo esse tempo sofri dos outros efeitos secundários: náuseas, por vezes vómitos, diarreias, tensão hiper alta, azia, branqueamento da pele e do cabelo, sangramento e ardor das gengivas, etc...
Esta mudança de tratamento devolveu-me qualidade de vida e permitiu-me fazer algumas viagens e trekkings que eu já julgava impossíveis de concretizar. Isso deu-me bastante alento e força para continuar esta luta e conseguir ter a par dos tratamentos muitos momentos de eternidade ou felicidade... Claro que todas as minhas viagens foram feitas segundo as indicações da minha médica Drª Ana Opinião, do IPO de Lisboa, a quem devo toda a sua dedicação no sentido de me ajudar a concretizar as minhas viagens com listas intermináveis de medicação e conselhos para fazer face a todas as hipotéticas situações que pudessem surgir, nomeadamente nas montanhas, assim como paragens pontuais da medicação para me ajudar nas atividade mais exigentes fisicamente (paragens essas sem colocar em causa o sucesso terapêutico).
2018-2020 - Progressão para os ossos
No final do verão de 2018, comecei a sentir dores cada vez mais fortes e depois de alguns exames concluiu-se que tinha havido progressão para varias localizações ósseas, nomeadamente, cervical, dorsal, lombar, ilíaco e fémur, além de um arco costal direito. Nesta fase sofri grandes dores tratadas com morfina e outros sedativos que ao fim de algum tempo conseguiram devolver me paz de espirito. Todas estas lesões ósseas foram alvo de radio cirurgia na Fundação Champalimaud, uma vez que o IPO se recusou a aplicar o tratamento porque eram mais de 3 metástases... e ainda uma intervenção cirúrgica na CUF porque uma das vertebras colapsou e teve de ser substituída por próteses, além de várias injeções de cimento ósseo nas vertebras dorsais e lombar. Depois desta fase de tratamentos das lesões e mudança da terapêutica sistémica para o Axitinib, com efeitos secundários mais extremos, regressei novamente a uma situação de mais ou menos normalidade o que me permitiu voltar às minhas viagens, mas sem a componente de trekking... a vida é uma sucessão de etapas e em cada uma temos de nos adaptar ao que nos é possível fazer...
2020 até agora - Dificuldades de locomoção
No inicio de 2020, comecei a sentir algumas dores na perna esquerda e no curto espaço de 3 meses deixei de me conseguir deslocar sem o auxílio de muletas. Após muitos exames, tacs, ressonâncias, e eletromiogramas, o veredicto das duas instituições - IPO e Fundação Champalimaud - e dos vários técnicos envolvidos, foi de que não houve progressão das lesões (muito pelo contrário, houve até algumas diminuições significativas) e a situação ficou-se a dever à destruição de alguns nervos na zona do ilíaco, nomeadamente o ciático e safeno, entre outros, por sequela da radio cirurgia havida nessa zona... ou seja, não se morre do mal, morre-se da cura. O facto é que desde essa altura até agora todas as minhas lesões ósseas ou estão estáveis ou apresentam regressões evidentes... do mal o menos. Nesta fase fiquei com a mobilidade muito reduzida, consigo andar de muletas (ou canadianas, conforme preferirem chamar) mas apenas curtas distâncias. Para distâncias maiores recorro à cadeira de rodas. Melhorei alguma coisa com a fisioterapia, mas apenas me impede de ficar pior.
Esta situação tem sido a mais difícil de gerir e aceitar, embora a minha força de vontade consiga mais uma vez voltar à tona de água, pois ainda consigo conduzir (troquei o carro para um de mudanças automáticas e isso ainda me permite ter alguma autonomia), ir almoçar com os meus amigos, ir sozinho à fisioterapia, etc.. Mas é todo um processo de aceitação e desapego que temos de permitir o cérebro fazer...
Em todo este processo tenho vários fatores a destacar que me têm ajudado a palmilhar o meu caminho:
Por isso perguntam-me foi fácil? Não, não foi... mas durante todo este tempo vivi muitos momentos de alegria, entrega, partilha, entre ajuda e muitas outras coisas que me fizeram evoluir enquanto ser humano e tornar-me uma melhor pessoa...
AC RIM - Associação de Cancro do Rim de Portugal
Pois é, com tudo isto tenho me esquecido de vos informar que finalmente em 12 de Dezembro, o grupo de doentes de cancro renal, constituiu oficialmente uma associação de cancro do rim que nasceu de um desejo muito forte dos pacientes com cancro renal avançado de interagir, cooperar e partilhar conhecimentos e experiências. Este é o quadro para quem é diagnosticado com este cancro:
A associação tem como missão representar a comunidade do cancro renal através da defesa dos nossos direitos, consciencialização, informação e pesquisa e tem como objetivo:
Os contactos da associação são:
Site: https://www.ac-rim.org/
email: geral@ac-rim.org
Facebook: https://www.facebook.com/cancro.renal
Tel. 969089599´
Rua Tavares Belo, nº 4-B
1750-279 LISBOA
Com o problema na perna esquerda, uma sequela da radiocirurgia na zona da bacia e fémur que teve como consequência a dificuldade em andar e a necessidade de usar canadianas, entrei num outro mundo que não conhecia... o mundo dos deficientes motores... Esta minha atual limitação fez-me ver a vida de uma outra forma que eu nunca tinha visto... Estava numa perspetiva muito egoísta e via apenas o meu umbigo? Ou pura e simplesmente vivia demasiado ocupado e obcecado pelos aspetos da minha vida que sem querer e sem me aperceber deixei de estar disponível para os outros? Penso que seria mais esta segunda hipótese, pois penso que a maioria das pessoas não são egoístas conscientemente, simplesmente estão tão focadas em si próprias que deixam de "olhar para o lado" o que era nitidamente o meu caso e acredito que o da maioria das pessoas.
Neste minha nova vida além de andar de canadianas tambem ando bastante mais lento pois o facto de a radioterapia me ter afetado vários nervos na zona da anca e bacia tornou mais difíceis todos os movimentos. Assim, tenho me deparado com situações bem caricatas, algumas que ate me dão alguma vontade de rir pese embora a gravidade da situação. Pessoas que se apressam a passar me à frente aproveitando-se da minha lentidão... Outros que olham pelo canto do olho fingindo que não me veem para não ter que me dar a sua vez... Muitos que estão tão absorvidos no seu mundo que acredito mesmo que não me veem... E acredito porque muito provavelmente eu ha uns tempos se calhar também eu era assim, embora eu me lembre que sempre que via alguém a precisar de lugar ou de vez me disponibilizar imediatamente mas admito que possam ter havido vezes que eu próprio estava tão focado noutros assuntos que nem me apercebia das necessidades alheias.
Deste tipo de situações quase que dava para fazer uma estatística do tipo de pessoas que mais dificuldade têm em disponibilizar-se para aos outros. Tenho constatado que as mulheres oferecem mais resistência em disponibilizar a sua vez que os homens... que os mais velhos têm mais dificuldade em disponibilizar o seu lugar que os mais novos... E ironia das ironias, o local onde é mais dificil alguém disponibilizar a sua vez, é no IPO...
Mas também existem coisas positivas, não é tudo mau... aprendi a pedir ajuda que era uma coisa que eu tinha muita dificuldade em fazer... Orgulho ferido? talvez... não o vou negar... às vezes é mais fácil ajudar do que pedir ajuda... Mas o destino e a necessidade faz-nos sair da nossa zona de conforto e fazer coisas para as quais também não estávamos disponíveis e no meu caso, uma dessas coisas era precisamente pedir ajuda... Nesta conformidade e passados todos estes meses já não tenho qualquer problema em pedir ajuda quando preciso e muitas vezes fazer valer os meus direitos de deficiente motor...
De tudo isto, confrontei-me com algumas limitações que nos atingem a todos enquanto humanidade, a primeira é que existe uma dificuldade efetiva de estarmos disponíveis para as necessidades dos outros sendo que na sua maioria resultam de estarmos demasiado focados em nós próprios, nas nossas necessidades e nas dos que nos são mais próximos. Esta falta de disponibilidade resulta em grande parte do nosso modo de vida atual, vivemos focados nos objetivos materiais e monetários e na sua ostentação de tal forma que temos dificuldade em olhar para o lado e sentirmos as necessidades de ajuda dos outros. A segunda é a dificuldade que a maioria de nós tem em pedir ajuda, um dos nossos defeitos de caracter coletivos, o orgulho. Pensamos muito frequentemente que pedir ajuda é um pouco rebaixarmo-nos aos outros por isso pedir ajuda é uma das formas de ferirmos o nosso orgulho. Para ultrapassarmos isto é necessário, primeiro reconhecer este nosso defeito, coisa que não é assim tão fácil de efetuar (até porque a maioria das pessoas não tem essa consciencia) e que necessita de algum trabalho de introspeção e meditação, depois tentar corrigir no nosso dia a dia esta nossa limitação pedindo ajuda sempre que dela necessitamos.
Agora passado quase um ano desde que adquiri esta situação, peço ajuda quando necessito e de uma forma geral as pessoas ajudam, mas muitas vezes tenho de pedir para me tornar visível, pois se não o fizer vão continuar a não me ver...
De qualquer forma existem 2 coisas a reter... primeiro que temos todos de estar mais disponíveis para os outros e depois que temos todos de deixar o orgulho de lado e estarmos disponiveis para pedir ajuda quando a necessitamos.
Mudança, Viver a vida, um dia de cada vez!