quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

 Mudança, Viver a vida, um dia de cada vez!


Há bastante tempo que não escrevo aqui nada...  Não me tem apetecido... E porquê? Talvez tenha passado um tempo de introspeção, também um tempo de luto e em simultâneo um tempo de aceitação... Por outro lado sentia que devia escrever algo principalmente para quem me lê e tem a mesma doença ou semelhante, pois a ausência podia ser confundida com a minha partida e eu pretendo continuar a dar o meu testemunho enquanto puder.

Em meados de Março do ano passado comecei a sentir menos força na perna esquerda e algum descontrolo do pé esquerdo, imediatamente pensei que seria progressão da doença e dirigi-me de imediato à fundação Champalimaud para fazer ressonâncias magnéticas à coluna para conhecer o estado ou o avanço das metástases ósseas principalmente as do ilíaco e fémur. Sim tive de ir à fundação graças ao meu seguro de saúde pois no IPO como devem calcular iria demorar muito tempo a marcar estes exames e muito provavelmente ressonância magnética o exame mais adequado neste caso, o IPO não o ia permitir pois o custo é muito elevado... Assim é o nosso tão apregoado Serviço Nacional de Saúde.

Depois de muitos exames, ressonâncias, tac's e eletromiogramas, concluíram os médicos tanto do Champalimaud como do IPO que a radio cirurgia que fiz ao ilíaco (bacia) tinha deixado sequelas (radicite) que me afetaram o nervo ciático entre outros de uma forma irreversível (não se morre do mal morre-se da cura). Não sendo as minhas queixas derivadas de progressão da doença pois todos os exames relevaram estabilidade das lesões concluiu-se que foi efetivamente um efeito secundário da rádio. Este processo de degeneração foi rápido e em pouco mais de um mês fiquei com duas canadianas e com muita dificuldade de locomoção.

Como devem calcular tudo isto foi um inesperado e duro golpe.... obrigou me a trocar de carro para outro de mudanças automáticas, obrigou-me a modificar toda a minha vida diária e sobretudo obrigou me a confrontar com a minha imobilização motora. Passei a fazer fisioterapia duas vezes por semana, o que me tem ajudado bastante pois é quase certo que sem a fisioterapia estaria já completamente imobilizado numa cadeira de rodas. Foram dias muito duros até fazer o luto da minha situação anterior e aceitar a atual. Aceitar que se acabaram as viagens, aceitar que se acabou grande parte da minha autonomia, aceitar que se acabou a minha capacidade de caminhar livremente, aceitar o aumento progressivo dos meus problemas físicos derivados da doença, sei lá que mais..., tem sido um grande esforço de aceitação e daí também o meu silêncio....

Neste momento estou assim, mais fechado em casa, tirando os dias que vou à fisioterapia ou aos hospitais fazer exames e alguns passeios até à Ericeira e pouco mais. Valeu-me o verão e o uso da piscina para me dar alguma qualidade de vida... Consegui ir de férias para o Algarve, escolher um hotel com acesso próprio à praia, ia e vinha de canadianas e consegui inclusive ir ao banho com elas. Foram duas semanas divertidas juntamente com a família e apesar das tempestades temos de  continuar recetivos à alegria e diversão para podermos continuar a sentir momentos de eternidade... Uma outra forma muito diferente de viajar... Uma outra forma de viver a vida, depois da tempestade vem a bonança só que neste caso temos de ser nós o veículo dessa bonança pois a vida é feita de Mudanças e para cada mudança temos de fazer um luto e uma aceitação principalmente quando as mudanças são para pior... mas o mais importante mesmo é que consigamos fazer o luto do que vamos perdendo, aceitar as limitações decorrentes dessas mudanças e conseguir, um dia de cada vez vivermos com o mínimo de felicidade...

É importante para quem vive um processo de transformação assim, praticar um desapego efetivo sobre as coisas boas que deixamos de ter, uma aceitação de facto das novas situações e limitações que nos surgem porque sem o desapego e a aceitação é impossível viver este processo chamado cancro com o mínimo de qualidade de vida, porque a principal componente da nossa qualidade de vida está no nosso cérebro e na nossa atitude...

O cancro é um processo mais ou menos lento em que vamos perdendo coisas que são dadas como adquiridas e que achamos que são intrínsecas a nós próprios... Desenganem-se, nada é adquirido! No processo de morte do corpo podemos mesmo perder tudo ou quase tudo... No meio desta doença nunca me tinha passado pela cabeça que poderia um dia deixar de andar... logo eu que o meu desporto favorito eram as caminhadas e o montanhismo... enfim.... e como o andar muitas outras coisas que temos podemos perder rapidamente, todos os 5 sentidos e muito mais...

Por tudo isto, temos todos, os doentes de cancro e não só, tambem as pessoas saudáveis que estar disponíveis para aceitar as mudanças que vão acontecendo na vida de todos nós, porque na vida tudo está sempre em mudança, mesmo quando nos parece que está tudo estático, há sempre qualquer coisa a mudar....