segunda-feira, 16 de julho de 2018

O Mundo dos Vivos

Desde o diagnóstico inicial que eu vivo a vida muito mais intensamente do que antes, viagens, trekkings, trabalho, quase como uma espécie de hiperatividade... Pode parecer para quem me observa que estou em negação, que pretendo preencher o vazio do cancro com todas estas atividades como uma forma de me esquecer da minha situação ou até como uma tentativa de a ignorar...

No inicio eu não sabia como lidar com isto mas rapidamente as coisas foram-se tornando cada vez mais claras. David Servan-Schreiber no seu livro "Anticancro" escreve "Ao expor a brevidade da vida, um diagnóstico de cancro pode restituir à vida o seu verdadeiro sabor". Dito assim e para quem não passou por esta situação nada parece fazer sentido... A ideia da própria morte parece eclipsar toda e qualquer sensação boa possível.. e é verdade... Para quem não passou por isto, a ideia é tão negativa que absorve toda e qualquer positividade e parece-nos impossível ver alguma coisa boa nestas condições mas quem tem cancro dá de caras com a realidade e pergunta como vou continuar a viver? E é neste paradigma que se centra a vida de alguém a quem foi diagnosticado cancro... como continuar a viver? sim porque mesmo depois do diagnóstico nós continuamos vivos.... a morte não vem no dia seguinte...

No meu caso a proximidade da morte gerou uma mudança de rumo grande, a vida assumiu uma intensidade e uma profundidade que não tinha até aí e comecei a centrar-me no dia a dia, a saborear as pequenas coisas que desfrutava quase sem dar por isso, passei a valorizar o hoje em detrimento do amanhã... passei a centrar me na melhoria dos meus dias... dos dias que me restam... e por isso tento fazer o máximo de coisas possíveis enquanto ainda é possível, porque a probabilidade de não me restar muito tempo é grande... claro que em simultâneo sinto o desespero da partida, é uma sensação semelhante à despedida de uma pessoa que sabemos que não voltaremos a ver.... mas essa é uma condição a que me vou habituando e que vai doendo cada vez menos... embora saiba que essa dor me vai acompanhar até ao fim...

Existe nesta fase uma sensação de última partida que tem de ser feita em paz.. e isso significa que temos uma ultima oportunidade de fazer as coisas que sempre quisemos fazer e concretizar todos os sonhos que pudermos, reatar a relações humanas que fomos perdendo, sentir mais os outros seres que nos são queridos, ou seja.. concretizarmos as nossas ambições! Isto pode parecer cruel e mórbido mas não é... se for encarado com naturalidade e positividade e não como uma fatalidade dramática e infeliz.... porque não o é.... na realidade é mesmo uma ultima oportunidade de sermos felizes!

Neste novo paradigma a minha principal preocupação é continuar a ter uma atividade normal, trabalhar, ser útil como sempre fui, assumir todas as minhas responsabilidades o melhor que conseguir mas ao mesmo tempo não descurar o divertimento e fruição das coisas boas da vida e claro as viagens, as caminhadas, os trekkings, tudo o que me faz sentido e me dá prazer mas acima de tudo sentir que continuo a pertencer ao mundo dos vivos!

Existem muitas pessoas que apesar de não terem diagnósticos oncológicos e mesmo algumas pessoas que nem sequer têm doenças relevantes que vivem num mundo mais de mortos que de vivos e isso tem pouco a ver com as condições exógenas porque é tudo uma questão de atitude perante a vida e perante os problemas que se nos vão deparando, por isso recomendo a toda a gente, que se esforcem o mais possível por continuar no mundo dos vivos!