quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A Solidão do Cancro

O cancro é uma caminhada de solidão.... O sentimento de solidão nos doentes oncológicos está relacionado com diversos fatores, primeiro pela forma como o próprio doente encara a doença... depois pela própria representação social do cancro, pelas as alterações físicas causadas pela doença e pela conspiração do silêncio.


A primeira fase da solidão começa no diagnóstico... pois mesmo que todos os nossos amigos fiquem ao nosso lado a tentar acarinhar-nos e dar-nos o seu apoio, a nossa sensação é que eles não nos entendem, não sabem pelo que estamos a passar, não sabem o que pensamos, não sabem o que nos preocupa, não conseguem atingir nem de perto nem de longe o nosso sofrimento, as nossas preocupações, as nossas angústias, os nossos medos, os nossos anseios, etc... Esta é pois a primeira fase da solidão, o sentir que ninguém que não tenha passado por um processo semelhante ao nosso nos entende... este tipo de solidão é pois intrínseco à doença... não depende dos outros, só depende da forma como nós o doentes consigamos ou não ultrapassar este nosso limite. Esta solidão que provocamos a nós próprios é talvez a mais difícil de superar pois nem sempre temos a força necessária para nos libertarmos dela e é nesse contexto que assistimos numa primeira fase a um afastamento de muitos doentes oncológicos da sua rede de amigos e contactos... por sua própria iniciativa.


Também existe a solidão provocada pelos outros... a conspiração do silêncio... o facto é que o cancro carrega um estigma de morte muito forte, e muitas pessoas não sabem como lidar com quem foi diagnosticado, porque não sabem lidar com a morte. Então, é muito comum as pessoas afastarem-se, elas não se sentem confortáveis ao nosso lado e os doentes oncológicos ficam ainda mais sozinhos... em alguns casos até mesmo os familiares se afastam. No início ficamos um pouco tristes mas depois acabamos por entender e respeitar a escolha deles sem ressentimentos ainda que com alguma tristeza e no fim compreendemos que a grande maioria das pessoas não estão preparadas para viver perto de quem tem um problema de cancro.


No nosso percurso acabamos por ficar confinados aos familiares mais chegados.... e alguns amigos que ou já passaram por processos idênticos ou então são daqueles mesmo verdadeiros que apoiam até ao fim... Temos que entender, e isso é fundamental para nós, que é muito difícil a quem não passou por este processo que nos entendam e nos consigam apoiar... é uma realidade com a qual temos de aprender a viver e sobretudo a não criar raivas nem ressentimentos porque se o fizermos pior será para nós... Num estudo sobre a morte feito no Brasil, 48% dos entrevistados consideraram depressivo falar sobre morte e 28% consideraram mesmo mórbido, 45% responderam não se sentir à vontade para ir a funerais e velórios. Há quem diga que estamos "matando a morte" de tanto tentar ignorá-la...


No mesmo sentido, quando há progressão na doença também se assiste a uma debandada dos amigos, pois a progressão remete imediatamente para uma fase mais próxima da terminal e ninguém aguenta ver os amigos numa fase terminal... e finalmente a última fase, a das alterações físicas, em que o doente fica mesmo confinado ao seu círculo mais restrito... embora pense que nessa fase, nem mesmo o próprio doente se sinta muito à vontade com os seus amigos pois a simples ideia de lhes causar algum tipo de choque e provocar a sua "pena" não parece lá muito agradável...
O doente oncológico tem então mais um desafio pela frente... não menos difícil que os outros... aceitar o afastamento de alguns amigos... de uma forma serena... sem raivas nem ressentimentos e como? tentando compreender os porquês de tais comportamentos ao invés de ressentir as consequências desses comportamentos... tentando entender a fragilidade dos seus amigos e as suas limitações emocionais e sobretudo perdoando esses seus comportamentos e não deixando que os mesmos aumentem a sua tristeza... 
Nós não podemos modificar os outros... só eles próprios o podem fazer.. se o pretenderem e se conseguirem... Nós só podemos modificar-nos a nós próprios no sentido de entendermos os outros e não nos deixarmos levar por sentimentos negativos de rejeição ou ressentimentos pois eles não nos ajudarão em nada e apenas contribuirão para gastarmos as nossas energias...

Tenham uma boa semana!






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