Há pouco tempo andei com tonturas e desloquei-me ao IPO pois numa situação de cancro qualquer sintoma pode ter mais significado do que em condições normais. Fui atendido por uma médica neurologista oncológica que não conhecia e por sinal muito simpática e ao ler o meu historial olhou para mim com um ar feliz e disse-me, sim senhor... já tem aqui uma longa história de sobrevida!
Esta simples frase fez me arrepiar... caiu-me como um pedregulho na cabeça....! Tenho cerca de 2 anos e meio de sobrevida... para mim é tão pouco... e para a médica já era uma longa história?
Esta simples frase fez me arrepiar... caiu-me como um pedregulho na cabeça....! Tenho cerca de 2 anos e meio de sobrevida... para mim é tão pouco... e para a médica já era uma longa história?
Obviamente que esta frase da médica traduziu o contentamento dela por eu estar já com este tempo de sobrevida com o mesmo medicamento, pois há quem mude ao fim de 3 meses por progressão da doença e eu entendo que ela me queria demonstrar a sua alegria pelo meu "sucesso"... mas para mim soou como um alerta para a sombra que paira sobre a minha cabeça e que com esta tal "longa historia de sobrevida" muitas vezes esqueço, pois foco-me tanto no meu dia a dia, no hoje, no trabalho, no planeamento das viagens, criação de piriquitos, fotografia e tanta coisa a que me dedico.. Existem dias em que ando tão ocupado com o trabalho e outras coisas que acabo muitas vezes por esquecer até mesmo a doença...!
Na semana seguinte fui à fundação Champalimaud e desta vez o meu médico de segunda opinião que me vê menos vezes, pergunta-me:
- Há quanto tempo está na 1ª linha de medicação?
- Há dois anos!... respondo eu!
E ele diz-me:
- Já está acima da média! muito bom!
- Já está acima da média! muito bom!
Eu ainda não estava refeito da frase da outra médica e novamente a mesma sensação! e claro, pelas mesmas razões... já estou um pouco acima das estatísticas, é verdade... até porque as estatísticas do cancro renal são muito pouco animadoras (qualquer coisa como 5 a 8% de sobreviventes ao 5º ano) mas esta aparente "estabilidade" não é obviamente muito fiável, primeiro porque desde que iniciei a medicação os nódulos nunca diminuíram e isso só por si é um claro indício de fragilidade e por outro lado porque este tipo de cancro é sempre muito imprevisível mesmo para os médicos...
E assim dei de caras com mais um constrangimento (que na realidade não o é) resultante da doença. Como até aqui não estava acima da média, no Amadora-Sintra o médico que fez o pedido do medicamento disse-me, espero não estar a negociar consigo a segunda linha antes de 1 ano... ora eu já levo 2 anos e meio de sobrevida e 2 anos de toma da 1ª linha.. é compreensível este tipo de reações dos médicos, afinal são um ótimo sinal principalmente para mim!
Tudo isto torna esta situação muito relativa, e ao mesmo tempo ajuda-me a situar na doença, é importante a pessoa saber situar-se na doença porque isso permite não gerar falsas expectativas mas também não viver no medo permanente.... ter a consciência das coisas é sempre bom, por mais que hajam pessoas que acham que não se deve informar os doentes... É terrível uma pessoa chegar ao estado terminal e ver que foi enganado pelo médico em quem depositou toda a confiança... e sobretudo porque não saber a verdade implica não ter tempo para a preparação da morte!
A toda gente que tem um processo de doença seja ela oncológica ou não sugiro que tentem situar-se na doença pois essa é a atitude mais adequada que nos permite ir gerindo as nossas expectativas e a nossa vida da melhor forma possível... não vale a pena fazer de conta que não se passa nada e imaginar cenários irrealistas, assim como também não adianta pintarmos o cenário mais negro do que na realidade ele é... é importante termos consciência das coisas para gerirmos a vida e as expectativas da melhor forma possível!
E já agora para finalizar o texto, as tonturas não revelaram origem tumoral, eram apenas relacionadas com os ouvidos e acabaram por passar...
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