domingo, 17 de fevereiro de 2019

A Maravilha das Novas Técnicas




Em meados de Novembro começei os planos para a radiocirurgia, tudo muito meticuloso, ressonâncias magnéticas e tac's para produzir um modelo 3D do meu corpo com o objetivo de estudar a forma de me aplicarem a radiação necessária em cada ponto… Confesso que fiquei maravilhado com a perfeição desta técnica que desconhecia… e ao mesmo tempo receoso pois uma pequena falha poderia por em causa toda esta complexidade e ter resultados desastrosos… entre os quais atingir a medula e ficar tetraplégico. A dificuldade deste tratamento residiu apenas nos planos e na preparação para a aplicação da radio porque o facto de se trabalhar com frações de milímetros implicava a minha total imobilização pois o mais leve movimento poderia levar quantidades enormes de radio para outros órgãos. Como 2 dos pontos a atingir ficavam na cervical tiveram de me aplicar uma máscara imobilizadora da cabeça (na qual não conseguia nem mexer as pestanas), tirar tacs e 2 ressonâncias magnéticas, o que resultou em algumas horas imobilizado dentro da máscara…. mais parecia uma tortura medieval…. enfim…. a parte boa foi que não senti absolutamente nada, mesmo quando intensificaram a radiação.

Os efeitos secundários foram muito fortes, pois não deixei de tomar a químio oral e durante algum tempo sofri os efeitos de ambos os tratamentos que se traduziram num cansaço extremo e numa gigantesca inflamação na garganta que duraram algumas semanas mas, com ajuda médica, tudo se passou e ultrapassou...

Um mês depois fizeram-me novas ressonâncias para verificar o efeito do tratamento e o resultado foi a destruição total das partes moles dos tumores ósseos… Como é óbvio, rejubilei de contente pelo resultado, pois o cancro renal a maior parte das vezes não reage à rádio...  mas adiante vinha a parte menos boa. Uma das vértebras, a C7 estava completamente comida pelo tumor e apenas tinha dentro as respetivas partes moles malignas pelo que a sua destruição provocou a fratura e colapso da vertebra… Esta situação alterava significativamente o prognóstico, uma vez que fraturada a vértebra inviabilizava a aplicação de cimento ósseo.

Após o resultado da radiocirurgia, fui à consulta do neurocirurgião que iria aplicar o cimento ósseo. Na consulta o médico foi direto e conciso… além do cimento ósseo em vários locais da coluna dorsal havia que ser submetido a uma cirurgia clássica à coluna para substituir a vertebra colapsada por uma prótese, placa e parafusos para me devolver a resistência à coluna. Confesso que fiquei um pouco perdido… não fazia parte dos meus planos uma cirurgia à coluna… mas se não havia alternativa e caso não optasse pela cirurgia o resultado seria o colapso total da vertebra o qual atingiria a medula e o cenário seria novamente a tetraplegia… mais uma vez não tive alternativa e não tive outro remédio senão submeter-me à cirurgia….até porque o plafond do seguro havia sido renovado no inicio do ano...

No final de Janeiro fui operado na CUF, a cirurgia correu bem, substituíram-me a dita vertebra por uma prótese, aplicaram uma placa e parafusos para devolver a resistência à coluna e ainda me aplicaram cimento ósseo em 4 locais da dorsal… Foi uma operação complexa e morosa… o único problema foi que acordei a perna direita totalmente dormente…. O choque foi terrível, na minha cabeça só passava o cenário de eu não conseguir andar… pois a dormência era muito grande e intensa e isso só provocava um filme na minha mente. No dia seguinte fui transferido para o quarto e o médico foi me colocar de pé….. eu conseguia andar… mas sentia-me a cambalear pois o pé dormente não tinha a mesma sensibilidade e nessa noite não dormi pois eu achava que não conseguia andar sozinho…. perguntei - me como é que ia continuar a minha vida, se ficaria dependente... foi uma noite terrível… mas durante a noite levantei-me várias vezes até porque não conseguia dormir...e consegui andar sozinho sem a ajuda da minha mulher que ficou no quarto comigo…

No dia seguinte já tinha mais sensibilidade e já sentia melhor o chão e já não cambaleava… embora andasse muito devagarinho… já era um começo. Desta vez fui muito abaixo… mas lentamente começava a voltar a esperança de recuperar o andar, pelo menos o necessário para continuar a minha vida sem dependência. No dia seguinte vim para casa e já conseguia ir até a rua tratar dos pássaros… depois comecei a dar pequenos passeios ao redor da casa, ao quinto dia, no sábado seguinte já consegui ir ao café da minha rua e andar 1,5km..... e aí sim, fiquei muito feliz porque  senti que era apenas uma questão de tempo e conseguiria andar quase normalmente. No dia seguinte aumentei para 3 km e na segunda já consegui 4,5km a andar normalmente.


Durante a segunda semana, já fui trabalhar e ter uma reunião com clientes, comecei a conduzir e praticamente tudo normalizou, apesar de continuar com a perna dormente a mobilidade da mesma aumentou e recuperou na totalidade, enquanto a dormência tem vindo a diminuir mas muito lentamente. Hoje posso dizer que recuperei a mobilidade totalmente, mas ficou-me de recordação uma dormência que vai do pé até à anca ainda que felizmente cada vez me incomoda menos. Sei pela cintigrafia que também tenho sinais de lesões no ilíaco e no fémur… mas cada coisa a seu tempo… agora o que estava pior era a cervical… mais adiante se pensará no resto.


Desta vez senti que temporariamente perdi a força para lutar, foram dias e noites terríveis, com crises de ansiedade, sempre a pensar que seria melhor partir do que ficar dependente… mas lentamente fui-me reconstruindo, fui ganhando esperança, força e a espiral negativa transformou-se numa espiral positiva que me ajudou e empurrou definitivamente para a recuperação… Afinal no processo do cancro é normal que algumas vezes desçamos ao fundo do poço e que pelo menos, temporariamente, percamos a esperança e desejemos partir. É humano e faz parte das nossas defesas naturais… quando achamos que já não vale a pena continuar porque isso implica perdermos toda a qualidade de vida, é natural que sintamos vontade de partir mas….


Há que, ao mesmo tempo, procurar vislumbrar o caminho da recuperação e perceber que isso nos dará força suficiente para aguentar e começar a reagir ….

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Progressão da doença

Pois é caros amigos… o inevitável acabou por acontecer… Depois de vir do Peru comecei a sentir algumas dores nas costas e num braço, aparentemente parecia ser apenas uma contractura, mas as dores aumentavam… tornavam-se insuportáveis… depois de varias idas à urgência do IPO sem qualquer diagnóstico conclusivo, pois através das radiografias nada se conseguia ver... acabei por pedir um tac ao meu médico da Fundação Champalimaud e o inevitável confirmou-se, a doença tinha se instalado na coluna vertebral, mais propriamente na cervical e dorsal e ainda num arco costal, onde o tumor havia sido o causador de uma fratura da costela.

E claro, o veredicto! esta evolução da doença significava que a atual químio oral, o meu tão amado Pazopanib tinha deixado de fazer efeito, o cancro conseguiu criar resistência ao medicamento e como em tantos casos semelhantes… avançou!

Foram horas e dias difíceis, principalmente porque além das "dores" psicológicas, as dores físicas eram muito fortes e desesperantes… uma médica do IPO disse-me, meu amigo, a dor oncológica é das piores dores do mundo… e de facto assim é... pois à dor física dilacerante junta-se a dor psicológica da falta de esperança…

Então passei à segunda linha… pedi à minha médica que me fosse administrado o Nivolumab tal como referem as guidelines internacionais sobre a atual medicação do cancro renal…. mas tal não me foi concedido, isto é, foi-me sugerido que aceitasse outro medicamento, o Axitinib pois caso passasse ao Nivolumab perderia o acesso àquele medicamento pois as normas do IPO não permitiam tomar o Axitinib depois do Nivolumab.

Devo dizer que até hoje ainda não consegui compreender esta norma interna do IPO nem consegui que nenhum oncologista me explicasse a razão da mesma…. penso que se prenderá sim e apenas com questões económicas relacionadas com o custo da medicação… mas enfim, é o país que temos… é o sistema nacional de saúde que temos… é a política que temos e que por ironia nós elegemos periodicamente…

Claro que perder o acesso a uma linha de tratamento num tipo de cancro como o meu que reage a tão poucos medicamentos seria uma perfeita loucura da minha parte e uma opção suicida… A diferença principal entre os dois medicamentos, é que o Axitinib é um medicamento com o mesmo principio do que tomava antes mas mais forte e por isso com muito mais efeitos secundários nefastos… enquanto o Nivolumab é uma imunoterapia, muito menos agressiva para o corpo e que por norma proporciona uma muito maior qualidade de vida para os pacientes e que em cerca de 25% dos casos permite longevidades enormes quando comparado com os restantes medicamentos existentes.

A minha médica foi excepcional e acompanhou o processo de uma forma ímpar naquilo em que me podia ajudar e conseguiu retirar-me uns bons 80% das dores com medicação apropriada e devolver-me assim alguma qualidade de vida. Depois disso comecei a reerguer-me, o passo seguinte seria a radioterapia paliativa apenas com o objetivo de tirar as dores mas ao mesmo tempo avisavam-me que uma das metástases estaria a afetar as primeiras vertebras, a C1 e C2 e isso obrigar-me-ia usar colar cervical com o objetivo de me proteger e evitar uma fratura e possível tetraplegia. 

Como a radioterapia no IPO estava com algum atraso em termos de resposta, procurei a fundação Champalimaud, uma vez que ainda tenho o seguro de saúde apesar do baixo plafond. Aí a resposta foi diferente, falaram-me numa espécie de radiocirurgia, isto é, radiação em doses muito elevadas mas ao mesmo tempo milimetricamente localizadas o que permitiria destruir as células cancerígenas com efeitos secundários diminutos…. e posterior injeção de cimento ósseo nos locais das metástases por forma a melhorar a resistência óssea, processo este que seria exequível dentro do meu plafond! E sobretudo que a minha condição física era boa o que permitiria aplicar este tratamento.

Uma esperança ao fundo do Túnel, uma luz que me permitiu olhar de outra forma e reerguer-me cheio de vontade e de ânimo… afinal que tinha a perder? Se não fizesse nada, a prazo tinha o possível colapso das vertebras e suas tenebrosas consequências… Muitas vezes há que nos recentrarmos e procurarmos ser objetivos e frios…. há que procurar outras opiniões... outras respostas… não temos nada a perder e temos muita coisa em jogo… há que sobreviver no desconhecido… há que aproveitar as oportunidades e sobretudo HÁ QUE NÃO DESISTIR!