Annapurnas um sonho antes do Cancro

Nos finais de 2015 um clube de atividades da natureza de Lisboa (CAAL) lançou uma viagem ao Nepal mais especificamente ao chamado circuito dos Annapurnas que culmina com a passagem de um colo nos Himalaias aos 5.416m. Vi o lançamento e disse logo para a minha companheira de trilhos que aquela não me escapava, achei muito interessante e combinamos que faríamos aquela atividade e comecei logo a ganhar expectativas pois seria mais ou menos a viagem das nossas vidas, além de que iríamos atingir o nosso record de altitude que estava próximo dos 4.000m.

No final de Janeiro de 2016, foi me diagnosticado o cancro no rim e como pensava que iria levar tratamentos de quimioterapia coloquei logo de lado a hipótese da viagem e lembro me que fiquei muito triste porque depois de passar por quimio ou rádio seria na prática impossível realizar uma atividade desta envergadura. 

Na ultima conversa com o urólogo antes da operação fiquei a saber que não iria ter quimioterapia nem radioterapia e que o tratamento passaria apenas pela operação menos invasiva porque seria por laparoscopia (5 furinhos no abdómen), que a recuperação seria muito rápida e em 3 ou 4 meses poderia retomar as minhas atividades de montanhismo... Fiquei felicíssimo pois na altura desconhecia ainda que a quimioterapia e a radio não tinham qualquer efeito neste tipo de cancro e essa era a única razão porque não me sujeitavam a esses tratamentos pois os mesmos era inúteis no meu caso... e assim voltou o sonho dos Annapurnas...

Fui operado no inicio de Fevereiro, correu bem, ao fim de 1 semana e meia estava já a trabalhar em pleno, em Maio decidi subir aos 3.500m da Sierra Nevada no sul de Espanha com o grupo, o objetivo era iniciar a preparação para os Annapurnas....

Como a subida à Sierra Nevada correu bem, e como já não era possível ir com o CAAL porque a lotação já estava esgotada, descobri uma empresa francesa que fazia o mesmo percurso, a Allibert trekking por um preço bastante em conta e claro avancei com o pagamento do adiantamento para a viagem, mas ainda assim decidi que seria prudente pagar mais um seguro de desistência... pois nesta situação nunca se sabe como será o dia seguinte....

Em boa hora pensei isto porque no primeiro controlo que efetuei em Junho, fiquei a saber que tinha metástases e em Agosto iniciei o tratamento com o sunitinib... Quando se aproximou a data da viagem que deveria acontecer em meados de Novembro... estava eu na fase mais critica de efeitos secundários e como tal era mais uma vez impossível efetuar a viagem.... e mais uma vez os meus sonhos se desvaneceram sem remédio nem remissão.....

Contactei a empresa, contei o sucedido, pediram me um relatório médico, acionaram o seguro e recebi de volta todo o adiantamento que tínhamos efetuado.... e como devem calcular com uma enorme pena por mais uma vez o sonho não se ter concretizado....

Quando entrei para o IPO falei neste sonho à minha médica e também ao médico da fundação champalimaud que costumo consultar em segunda opinião e fiquei bastante feliz pois ambos os médicos concordavam e recomendavam que eu fizesse esta viagem, que seria uma ótima terapia para mim e para isso seria até possível interromper o tratamento durante alguns dias para possibilitar a atividade física... e mais uma vez a esperança voltou a brilhar....

Com a mudança para o pazopanib e a redução muito significativa dos efeitos secundários, este sonho começou novamente a tomar forma e a habitar o meu imaginário e em Junho de 2017 para testar fizemos a viagem ao Gran Paradiso nos Alpes italianos onde atingimos várias vezes os 3.000m e claro mais uma vez correu bem...

Assim, no inicio deste ano de 2018 decidimos mais uma vez apostar na viagem aos Annapurnas, falei com a minha médica que me deu todas as indicações sobre como tomar o medicamento e quando suspender, fui à consulta do viajante... fiz análises para ver se estava em estado de fazer a viagem... tudo se conjugou... a minha condição física era boa e lá voltei a contactar a mesma empresa, adquirimos a viagem e no dia 9 de Abril lá partimos expectantes, ainda sem acreditar muito bem que desta vez o sonho era real e estávamos mesmo a viajar para o Nepal.

Depois de algumas peripécias como atrasos em Barcelona e no Qatar lá chegámos a Katmandu e encontrámo-nos com o grupo que nos iria acompanhar já no inicio do trekking, um grupo de franceses simpáticos com quem partilhámos a ascensão aos 5.416m.... mas isso vai ser um relato que prometo colocar aqui em breve....