Falar de morte e de cancro com alguém
é um exercício quase impossível... ou pelo menos com probabilidade de escassos
interlocutores. Desde que me foi diagnosticado cancro que me é muito difícil
falar sobre a doença e sobre as suas consequências, cancro, morte e
pós-morte... Não que me seja difícil falar sobre isso... mas porque é difícil
encontrar quem me ouça ou quem queira falar destes assuntos... eu falo sobre
estes assuntos com a maior das naturalidades, infelizmente eles passaram a fazer
parte do meu dia a dia... estão infinitamente integrados na minha vida atual...
É natural que eu queira falar de alguns aspetos da minha morte e sobretudo de algumas das suas consequências... o que vai acontecer com isto e aquilo depois da minha partida... sem dramas... existem aspetos que me preocupam porque afetam os meus entes queridos, a minha família e é natural que tente de alguma forma evitar certos problemas, isto não é mórbido, é uma realidade prática que eu tento resolver enquanto ainda estou vivo e tenho capacidade de alterar determinadas coisas... coisas essas que nunca tinha pensado nelas... obviamente mas que agora passaram a fazer parte das minhas prioridades.
É natural que eu queira falar de alguns aspetos da minha morte e sobretudo de algumas das suas consequências... o que vai acontecer com isto e aquilo depois da minha partida... sem dramas... existem aspetos que me preocupam porque afetam os meus entes queridos, a minha família e é natural que tente de alguma forma evitar certos problemas, isto não é mórbido, é uma realidade prática que eu tento resolver enquanto ainda estou vivo e tenho capacidade de alterar determinadas coisas... coisas essas que nunca tinha pensado nelas... obviamente mas que agora passaram a fazer parte das minhas prioridades.
Por outro lado, por vezes sinto necessidade de desabafar, falar nas coisas... nas pequenas coisas que me passam pela cabeça.. nos tratamentos... nos efeitos secundários... sei lá... num sem numero de situações que fazem parte do meu dia a dia... e que direta ou indiretamente têm a ver com o cancro.
Tenho notado uma dificuldade
enorme por parte da grande maioria das pessoas em falar da doença, da morte e
do pós-morte... vulgarmente quando tento verbalizar alguma coisa ouço respostas
definitivas e curtas tais como "Shiuuuu não se fala disso...",
"Vamos falar de outras coisas...", "Desculpa mas não me apetece
falar disso...", ou então ainda pior.... "Todos vamos morrer, conheço
um caso que saiu de casa e foi atropelado...", ou "há... conheço uma
pessoa que os médicos já não tinham esperança e ainda cá está...", um
leque infinito de respostas que mais não são do que tentativas de finalizar a
conversa e mudar de tema.
Eu sei que para as outras pessoas é muito difícil responder a alguém nas minhas circunstâncias... nomeadamente por não saberem o que dizer... muitas vezes apetece-me ser brusco com este tipo de pessoas mas depois lembro-me que estas reações são a sua forma de repudiar a doença e o que ela significa, a morte! e que elas não o fazem por mal mas por lhe ser muito difícil encarar esta malignidade.
Inicialmente pensava que isto se passava só comigo e sofria muitas vezes de solidão por ver que as tentativas de falar no assunto resultavam numa espécie de tortura para os meus interlocutores e isso cortava-me a vontade de falar... simplesmente calava-me ou nem sequer iniciava a conversa... e ainda hoje o faço... mas agora depois de algum tempo passado já me habituei pacificamente a evitar determinados temas.
Há uns tempos andou a circular no facebook uma carta de uma moça que morreu relativamente nova de cancro onde ela se queixava de não ter conseguido falar da morte com ninguém e senti-me nessa altura muito identificado pois também eu sentia essa dificuldade. Mais tarde em conversa com um cuidador de pessoas em estado terminal que conheci num workshop de educação para a morte, vim a saber que essa é uma situação muito comum, inclusive, tem um nome "conspiração do silêncio", trata-se de uma dificuldade que a grande maioria das pessoas tem em falar da morte, não por causa da pessoa que está em fase terminal, embora invariavelmente essa seja sempre a desculpa, a verdadeira causa, é que ao falar sobre a morte, isso confronta as pessoas com a sua própria morte e aí reside o bloqueio real...
É nem mais nem menos do que o reflexo da forma como a sociedade atual encara a morte... hoje em dia evitamos a morte em todos os seus aspetos, fazemos funerais sem vestir de preto para não mostrar a parte má, evitamos o choro e reprimimos todos os sentimentos que mostrem o sofrimento da perda... tentamos fazer luto muito rapidamente ou nem sequer o fazer, evitamos que as crianças convivam com a morte... nem pensar em levar uma criança para um velório ou para um funeral... e ainda por cima achamos que fazemos um bom trabalho ao poupar os mais novos de ver e sentir o sofrimento da morte... que tamanha estupidez!
A morte faz parte da vida e não deve ser escondida nem evitada por ninguém, é um ato natural e próprio dos seres vivos, porquê este tabu? uma das sociedades mais evoluídas em termos de confronto com todo o tipo de situações, conseguiu construir o maior de todos os tabus, A Morte!
Enfim, é toda uma estratégia que a sociedade como um todo faz no sentido de esconder a morte, de não falar nela, de a ignorar... estupidamente e em vão, pois não é isso que a evita.... E nem vou falar aqui naquelas crendices estúpidas, de que não se deve falar na morte porque isso dá azar e/ou atrai a morte.... deve-se inclusive deixar de mencionar a palavra cancro.... enfim... Comportamentos irracionais e obscuros em pleno século XXI.
À volta do doente tudo se cala... tudo evita o assunto, sempre que o doente fala, tenta-se mudar a conversa... evitar a todo o custo qualquer observação à doença.. claro o doente entende perfeitamente e deixa de abordar o assunto não porque lhe apeteça mas porque entende que falar no assunto é um fardo que os seus interlocutores não querem.... e assim acaba por contribuir também para a conspiração do silêncio... É assim, não há volta a dar... não podemos modificar os outros...só nos podemos modificar a nós próprios...
Pela minha parte devo dizer que
falar da minha morte é sempre um desabafo que me faz muitíssimo bem... tentar
resolver problemas que irão ficar no meu pós morte, é uma coisa que me deixa
extremamente tranquilo e bem comigo próprio, porque a morte é senão o mais
importante, um dos mais importantes acontecimentos na vida de um ser humano e
acreditem que quase todas as pessoas numa situação de fim de vida sentem a necessidade de planear a sua morte e sobretudo os problemas dela decorrentes... é humano... é uma necessidade como outra qualquer... Há coisas que devem ser vistas de uma
forma pragmática e sem dramas, mas existem muitos tabus que dificultam essa
visão...É o mundo que temos! e assim como aceitamos a doença também temos de fazer um esforço para aceitar o mundo em que vivemos...!
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