terça-feira, 26 de junho de 2018

Os Lutos

A semana passada faleceu o meu pai....Uma grande perda para mim e para a minha família... era para todos nós uma referência, quando o caixão descia à terra, alguém que eu não conheço acercou-se de mim e disse-me que eu devia ter muito orgulho no pai que tinha... Isto pode parecer vaidade, mas quem consegue ficar indiferente perante uma frase destas vinda de um desconhecido? É difícil não sentir orgulho nestas ocasiões por mais ascéticos e humildes que sejamos. O meu pai era uma pessoa simples, nasceu há 82 anos numa pequena aldeia do Alto Alentejo colada à Beira Baixa, Amieira do Tejo em Nisa.

Com apenas 12 anos e face aos fracos recursos familiares teve que ir trabalhar para uma terra distante da sua e em tão más condições que tempos depois os meus próprios avós o foram buscar por ouvirem rumores de ser maltratado, meses depois foi trabalhar no ramo do comércio, passou por várias localidades: Ponte de Sôr, Bemposta, Arruda dos Vinhos, Torres Novas e finalmente acabou na fábrica de papel da Renova, onde conheceu a minha mãe e deu origem à prole familiar.

A sua grandeza e razão do meu orgulho nunca passou por estudos ou graus académicos, nem por carreiras de elevado gabarito, foi muito bom profissional no seu ramo, foi uma pessoa íntegra, que sempre gostou de estabilidade, soube fazer amigos, era um homem de paz... não me lembro que tivesse algum dia discutido com alguém, mas tinha as suas convicções e um caminho bem traçado e definido... se a situação não lhe agradava, afastava-se sem cortar relacionamentos.

Nestes últimos dias com a doença, a hospitalização e o velório um grande número de pessoas nos manifestou uma grande estima e afeto pela pessoa que ele foi e mais uma vez pude observar a sua grandeza. Para nós filhos, foi um grande timoneiro, sempre com muita estabilidade, muito prudente e assertivo e que sem grandes alaridos nos deu grandes lições de vida que muito nos ajudaram pela vida fora, uma grande perda, apesar da idade e da situação de doença. Agora é hora de fazer o luto....

O Luto é uma reação emocional a uma perda significativa. É um processo natural e um modo de recuperação emocional face à perda. É um processo necessário e fundamental para preencher o vazio deixado por qualquer perda significativa não apenas de alguém, mas também de algo muito importante, como um objeto, uma viagem, um emprego, uma ideia, etc. Todas as perdas importantes dão origem a um processo de luto. O Luto é marcado por uma natural instabilidade emocional, sinalizada por emoções como a agressividade, estado de choque, ira, solidão, tensão, cansaço físico e emocional, entre outras. Mas os sentimentos oscilam conforme as pessoas que o vivenciam e também em função da gravidade da perda.

O processo do cancro origina diversos lutos por onde o doente oncológico tem obrigatoriamente que passar ainda que cada um o vivencie de forma distinta e lhe dê um grau de intensidade próprio. O luto pode passar pelas seguintes fases:

Negação - Surge a primeira fase do luto, é no momento que nos parece impossível a perda, em que não somos capazes de acreditar. A dor da perda seria tão grande, que não pode ser possível, não poderia ser real.

Revolta - Surge depois da negação. Mesmo depois da perda já consumada negamo-nos a acreditar. Pensamento de “ porque a mim?” em conjunto com sentimentos de inveja e raiva. 

Depressão - A depressão surge quando o individuo toma consciência que a perda é inevitável e incontornável. Não há como escapar à perda, este sente o “espaço” vazio da pessoa (ou coisa) que perdeu.

Aceitação - Última fase do luto. Esta fase é quando a pessoa aceita a perda com paz e serenidade, sem desespero nem negação. Nesta fase o espaço vazio deixado pela perda é preenchido. Esta fase depende muito da capacidade da pessoa mudar a perspetiva e preencher o vazio.

Para fazermos o luto temos necessariamente que passar por todos estes estados cuja intensidade e demora dependerá de cada um.... mas é um facto que todos eles fazem parte do processo de luto, por isso todos são naturais e têm que ser vivenciados...

Quando me foi diagnosticado o cancro passei por quase tudo isto, ainda que a fase da negação e da revolta tenham sido muito ténues e rápidas, a de depressão foi mais lenta e difícil.... e a de aceitação ainda mais lenta do que a anterior, aliás ainda me encontro em fase de aceitação pois ainda não a conclui completamente e se calhar nunca a vou finalizar... vou aceitando na medida das minhas possibilidades...

Neste processo, não há apenas o luto do cancro, há o luto de deixar-mos de ser a pessoa que éramos antes do diagnóstico, há o luto por tudo aquilo a que a doença nos obrigou a deixar e em geral por todas as perdas que vamos vivendo neste processo oncológico... É pois natural passarmos por todas aquelas fases por cada perda que temos.... o que já não é natural, e temos de estar atentos, é ficarmos "presos" numa delas... Não é raro vermos pessoas eternamente em fase de revolta ou de negação, essas nunca chegarão a fazer o luto da perda pois ficaram presos numa parte do processo... Quem está em revolta é porque não aceitou...

A sobrevida do cancro está cheia de lutos, de cada vez que a nossa situação de saúde se modifica, perdemos um "eu" que existia antes, para passarmos a um novo "eu" com novas limitações mas que se aceitarmos essa perda, temos novas oportunidades de alguma felicidade no novo eu... Lembro-me de no inicio sempre que me levantava e me punha ao espelho a fazer a barba ficar muito triste por ver as transformações que tinham ocorrido no meu visual: o inchaço, a pele a clarear, o edema ao redor dos olhos, o aumento da massa gorda, etc... ficava triste sim, mas lentamente fui aceitando, deixei de sentir pena de mim mesmo e libertei-me dessa perda... 


A libertação das nossas perdas é condição sine qua non para continuarmos o nosso caminho, fecham-se ciclos e abrem-se ciclos e temos de os aproveitar com aquilo que temos.... e ir deixando aquilo que já não temos sem raiva nem depressão... Com os nossos entes queridos, há uma necessidade imensa de os libertarmos, de os entregar..., de os soltar... pois só depois desse trabalho efetuado é que começamos verdadeiramente o caminho da aceitação!

Lentamente as nossas recordações de dor dos entes queridos vão sendo substituídas por recordações de serenidade sem dor, por vezes até acompanhadas por sorrisos, é a aceitação... o resultado final do caminho em cada luto!

 
Luto é o tempo necessário para a mente entender o sentimento de perda que o coração já sente! 
(autor desconhecido)

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