quarta-feira, 10 de abril de 2019

Grupo de Pacientes Portugueses de Cancro Renal



No inicio deste blogue escrevi em Março de 2018 o seguinte:


"Vou tentar neste blogue transmitir os momentos que passei, bons e maus, tendo como objetivo ajudar a melhorar as vida das pessoas que se encontram em situações semelhantes à minha e se possível criar um grupo de amigos que possamos entre ajudar-nos mutuamente, porque quando entramos neste mundo oncológico sem esperança de cura.... entramos num caminho solitário que amplia a nossa dor e o nosso sofrimento…"


Ora, finalmente um ano depois a semente nasceu e começou a dar frutos…. Há uns tempos fui contactado pela APIR - Associação Portuguesa de Insuficientes Renais para participar numa conferência do IKCC - Internacional Kidney Cancer Coalition trata-se de uma Organização Internacional que visa apoiar as organizações de apoio a pacientes de cancro renal de todo o mundo, que este ano se iria realizar pela primeira vez em Lisboa.

Neste âmbito fui ainda contactado por um médico urologista investigador de carreira internacional, o Dr. Ricardo Leão, da CUF que também me pediu para participar numa sessão da mesma conferencia com outros pacientes de cancro renal e que correu muitíssimo bem.

Todos estes contactos vieram até mim em consequência do meu blogue, pelo que fiquei extremamente feliz por ter conseguido atingir o meu objetivo que estabeleci quando iniciei este caminho.

Um dos principais objetivos de todas estas entidades, em especial do IKCC, seria facilitar a criação de um grupo de pacientes de cancro renal que se entre ajudasse entre si, com informações sobre a doença, tratamentos, alternativas, inovações, troca de experiências que nos possibilitassem participar na tomada das decisões médicas de uma forma informada e consciente e claro também para nos representar perante as instituições.

Logo em plena conferencia tive oportunidade de conhecer outros doentes, um deles uma figura publica que oportunamente se divulgará, grande parte dos médicos que assistiam vieram contactar-nos para nos enviarem os seus pacientes, todos foram unânimes na necessidade de criação deste grupo e dos benefícios que daí poderiam advir quer para os pacientes, quer para a classe médica que nos trata com vista a trazer melhorias para todos.


Desta forma, já criámos um grupo no WhatsApp que já passou a dezena de pacientes, outro no Facebook que ainda está em aperfeiçoamento "Cancro Renal Grupo de Pacientes". Nesta fase estamos a tentar contactar o maior numero possível de doentes de cancro renal para integrarem esta família de pacientes, para que finalmente deixem de se sentir sós, juntos seremos mais fortes!



Grupo de Pacientes de Cancro Renal

Contacto: Francisco  - 969089599

Email : grupo.cancrorenal@gmail.com


Juntem-se a nós!

Conferência do IKCC - Lisboa 2019











domingo, 17 de fevereiro de 2019

A Maravilha das Novas Técnicas




Em meados de Novembro começei os planos para a radiocirurgia, tudo muito meticuloso, ressonâncias magnéticas e tac's para produzir um modelo 3D do meu corpo com o objetivo de estudar a forma de me aplicarem a radiação necessária em cada ponto… Confesso que fiquei maravilhado com a perfeição desta técnica que desconhecia… e ao mesmo tempo receoso pois uma pequena falha poderia por em causa toda esta complexidade e ter resultados desastrosos… entre os quais atingir a medula e ficar tetraplégico. A dificuldade deste tratamento residiu apenas nos planos e na preparação para a aplicação da radio porque o facto de se trabalhar com frações de milímetros implicava a minha total imobilização pois o mais leve movimento poderia levar quantidades enormes de radio para outros órgãos. Como 2 dos pontos a atingir ficavam na cervical tiveram de me aplicar uma máscara imobilizadora da cabeça (na qual não conseguia nem mexer as pestanas), tirar tacs e 2 ressonâncias magnéticas, o que resultou em algumas horas imobilizado dentro da máscara…. mais parecia uma tortura medieval…. enfim…. a parte boa foi que não senti absolutamente nada, mesmo quando intensificaram a radiação.

Os efeitos secundários foram muito fortes, pois não deixei de tomar a químio oral e durante algum tempo sofri os efeitos de ambos os tratamentos que se traduziram num cansaço extremo e numa gigantesca inflamação na garganta que duraram algumas semanas mas, com ajuda médica, tudo se passou e ultrapassou...

Um mês depois fizeram-me novas ressonâncias para verificar o efeito do tratamento e o resultado foi a destruição total das partes moles dos tumores ósseos… Como é óbvio, rejubilei de contente pelo resultado, pois o cancro renal a maior parte das vezes não reage à rádio...  mas adiante vinha a parte menos boa. Uma das vértebras, a C7 estava completamente comida pelo tumor e apenas tinha dentro as respetivas partes moles malignas pelo que a sua destruição provocou a fratura e colapso da vertebra… Esta situação alterava significativamente o prognóstico, uma vez que fraturada a vértebra inviabilizava a aplicação de cimento ósseo.

Após o resultado da radiocirurgia, fui à consulta do neurocirurgião que iria aplicar o cimento ósseo. Na consulta o médico foi direto e conciso… além do cimento ósseo em vários locais da coluna dorsal havia que ser submetido a uma cirurgia clássica à coluna para substituir a vertebra colapsada por uma prótese, placa e parafusos para me devolver a resistência à coluna. Confesso que fiquei um pouco perdido… não fazia parte dos meus planos uma cirurgia à coluna… mas se não havia alternativa e caso não optasse pela cirurgia o resultado seria o colapso total da vertebra o qual atingiria a medula e o cenário seria novamente a tetraplegia… mais uma vez não tive alternativa e não tive outro remédio senão submeter-me à cirurgia….até porque o plafond do seguro havia sido renovado no inicio do ano...

No final de Janeiro fui operado na CUF, a cirurgia correu bem, substituíram-me a dita vertebra por uma prótese, aplicaram uma placa e parafusos para devolver a resistência à coluna e ainda me aplicaram cimento ósseo em 4 locais da dorsal… Foi uma operação complexa e morosa… o único problema foi que acordei a perna direita totalmente dormente…. O choque foi terrível, na minha cabeça só passava o cenário de eu não conseguir andar… pois a dormência era muito grande e intensa e isso só provocava um filme na minha mente. No dia seguinte fui transferido para o quarto e o médico foi me colocar de pé….. eu conseguia andar… mas sentia-me a cambalear pois o pé dormente não tinha a mesma sensibilidade e nessa noite não dormi pois eu achava que não conseguia andar sozinho…. perguntei - me como é que ia continuar a minha vida, se ficaria dependente... foi uma noite terrível… mas durante a noite levantei-me várias vezes até porque não conseguia dormir...e consegui andar sozinho sem a ajuda da minha mulher que ficou no quarto comigo…

No dia seguinte já tinha mais sensibilidade e já sentia melhor o chão e já não cambaleava… embora andasse muito devagarinho… já era um começo. Desta vez fui muito abaixo… mas lentamente começava a voltar a esperança de recuperar o andar, pelo menos o necessário para continuar a minha vida sem dependência. No dia seguinte vim para casa e já conseguia ir até a rua tratar dos pássaros… depois comecei a dar pequenos passeios ao redor da casa, ao quinto dia, no sábado seguinte já consegui ir ao café da minha rua e andar 1,5km..... e aí sim, fiquei muito feliz porque  senti que era apenas uma questão de tempo e conseguiria andar quase normalmente. No dia seguinte aumentei para 3 km e na segunda já consegui 4,5km a andar normalmente.


Durante a segunda semana, já fui trabalhar e ter uma reunião com clientes, comecei a conduzir e praticamente tudo normalizou, apesar de continuar com a perna dormente a mobilidade da mesma aumentou e recuperou na totalidade, enquanto a dormência tem vindo a diminuir mas muito lentamente. Hoje posso dizer que recuperei a mobilidade totalmente, mas ficou-me de recordação uma dormência que vai do pé até à anca ainda que felizmente cada vez me incomoda menos. Sei pela cintigrafia que também tenho sinais de lesões no ilíaco e no fémur… mas cada coisa a seu tempo… agora o que estava pior era a cervical… mais adiante se pensará no resto.


Desta vez senti que temporariamente perdi a força para lutar, foram dias e noites terríveis, com crises de ansiedade, sempre a pensar que seria melhor partir do que ficar dependente… mas lentamente fui-me reconstruindo, fui ganhando esperança, força e a espiral negativa transformou-se numa espiral positiva que me ajudou e empurrou definitivamente para a recuperação… Afinal no processo do cancro é normal que algumas vezes desçamos ao fundo do poço e que pelo menos, temporariamente, percamos a esperança e desejemos partir. É humano e faz parte das nossas defesas naturais… quando achamos que já não vale a pena continuar porque isso implica perdermos toda a qualidade de vida, é natural que sintamos vontade de partir mas….


Há que, ao mesmo tempo, procurar vislumbrar o caminho da recuperação e perceber que isso nos dará força suficiente para aguentar e começar a reagir ….

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Progressão da doença

Pois é caros amigos… o inevitável acabou por acontecer… Depois de vir do Peru comecei a sentir algumas dores nas costas e num braço, aparentemente parecia ser apenas uma contractura, mas as dores aumentavam… tornavam-se insuportáveis… depois de varias idas à urgência do IPO sem qualquer diagnóstico conclusivo, pois através das radiografias nada se conseguia ver... acabei por pedir um tac ao meu médico da Fundação Champalimaud e o inevitável confirmou-se, a doença tinha se instalado na coluna vertebral, mais propriamente na cervical e dorsal e ainda num arco costal, onde o tumor havia sido o causador de uma fratura da costela.

E claro, o veredicto! esta evolução da doença significava que a atual químio oral, o meu tão amado Pazopanib tinha deixado de fazer efeito, o cancro conseguiu criar resistência ao medicamento e como em tantos casos semelhantes… avançou!

Foram horas e dias difíceis, principalmente porque além das "dores" psicológicas, as dores físicas eram muito fortes e desesperantes… uma médica do IPO disse-me, meu amigo, a dor oncológica é das piores dores do mundo… e de facto assim é... pois à dor física dilacerante junta-se a dor psicológica da falta de esperança…

Então passei à segunda linha… pedi à minha médica que me fosse administrado o Nivolumab tal como referem as guidelines internacionais sobre a atual medicação do cancro renal…. mas tal não me foi concedido, isto é, foi-me sugerido que aceitasse outro medicamento, o Axitinib pois caso passasse ao Nivolumab perderia o acesso àquele medicamento pois as normas do IPO não permitiam tomar o Axitinib depois do Nivolumab.

Devo dizer que até hoje ainda não consegui compreender esta norma interna do IPO nem consegui que nenhum oncologista me explicasse a razão da mesma…. penso que se prenderá sim e apenas com questões económicas relacionadas com o custo da medicação… mas enfim, é o país que temos… é o sistema nacional de saúde que temos… é a política que temos e que por ironia nós elegemos periodicamente…

Claro que perder o acesso a uma linha de tratamento num tipo de cancro como o meu que reage a tão poucos medicamentos seria uma perfeita loucura da minha parte e uma opção suicida… A diferença principal entre os dois medicamentos, é que o Axitinib é um medicamento com o mesmo principio do que tomava antes mas mais forte e por isso com muito mais efeitos secundários nefastos… enquanto o Nivolumab é uma imunoterapia, muito menos agressiva para o corpo e que por norma proporciona uma muito maior qualidade de vida para os pacientes e que em cerca de 25% dos casos permite longevidades enormes quando comparado com os restantes medicamentos existentes.

A minha médica foi excepcional e acompanhou o processo de uma forma ímpar naquilo em que me podia ajudar e conseguiu retirar-me uns bons 80% das dores com medicação apropriada e devolver-me assim alguma qualidade de vida. Depois disso comecei a reerguer-me, o passo seguinte seria a radioterapia paliativa apenas com o objetivo de tirar as dores mas ao mesmo tempo avisavam-me que uma das metástases estaria a afetar as primeiras vertebras, a C1 e C2 e isso obrigar-me-ia usar colar cervical com o objetivo de me proteger e evitar uma fratura e possível tetraplegia. 

Como a radioterapia no IPO estava com algum atraso em termos de resposta, procurei a fundação Champalimaud, uma vez que ainda tenho o seguro de saúde apesar do baixo plafond. Aí a resposta foi diferente, falaram-me numa espécie de radiocirurgia, isto é, radiação em doses muito elevadas mas ao mesmo tempo milimetricamente localizadas o que permitiria destruir as células cancerígenas com efeitos secundários diminutos…. e posterior injeção de cimento ósseo nos locais das metástases por forma a melhorar a resistência óssea, processo este que seria exequível dentro do meu plafond! E sobretudo que a minha condição física era boa o que permitiria aplicar este tratamento.

Uma esperança ao fundo do Túnel, uma luz que me permitiu olhar de outra forma e reerguer-me cheio de vontade e de ânimo… afinal que tinha a perder? Se não fizesse nada, a prazo tinha o possível colapso das vertebras e suas tenebrosas consequências… Muitas vezes há que nos recentrarmos e procurarmos ser objetivos e frios…. há que procurar outras opiniões... outras respostas… não temos nada a perder e temos muita coisa em jogo… há que sobreviver no desconhecido… há que aproveitar as oportunidades e sobretudo HÁ QUE NÃO DESISTIR!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Porque deixamos que os outros tomem as nossas decisões?


Este é uma tema que me aflige cada vez mais... principalmente porque depois de ter constatado esta realidade fiquei mais desperto para ela e sucessivamente em situações de cancro e não só, vejo cada vez mais pessoas deixarem que outros tomem as suas decisões.

Os que me conhecem sabem que costumo ser eu a tomar as minhas decisões mesmo que muitas vezes antes de as tomar possa ou não pedir o conselho de outros ou de os ouvir quando mesmo quando não solicitados e também não é raro mudar a minha decisão porque os conselhos ou as opiniões de outros foram suficientes para mudar de rumo, mas mesmo com todas essas interferências não deixam de não serem as minhas decisões…

Um destes dias foi necessário tomar uma decisão respeitante a um novo tratamento (radiocirurgia) bastante dispendioso o qual poderia ultrapassar o plafond do meu seguro de saúde, ainda que o montante não coberto não fosse muito elevado e portanto ainda comportável para a minha situação financeira. A medica virou-se para mim e para a minha mulher e disse: - É possível que possa ultrapassar um pouco o plafond do seu seguro, não muito..., nesse caso, posso avançar? eu rapidamente disse-lhe que sim, que não havia problema, mas isto não foi suficiente para ela, então vira-se para a minha mulher e perguntou novamente se havia algum problema, a minha mulher acenou com a cabeça que sim pois eu já tinha respondido e o assunto era meu…. estranhamente não foi o suficiente para a medica sossegar, pois voltou a perguntar única e exclusivamente à minha mulher… e só parou quando ela disse um "claro que sim" bem explicito…..

Eu fiquei pura e simplesmente embasbacado a ver até onde ia a situação pois a doença era minha e dado não ser uma soma muito elevada não conseguia perceber porque tinha ela que definitivamente obter a aprovação da minha mulher….

Escusado será dizer que o tratamento foi feito e por acaso acabou por ficar dentro plafond e esta questão nem sequer se chegou a colocar… Mas ficou para sempre a imagem de não ser eu a tomar a decisão que a mim exclusivamente me pertencia…. depois disso passei a andar mais atento e de facto conclui que sim, que este tipo de situações é muito mais corrente do que possamos imaginar… e não só na doença… mas principalmente nela…


Normalmente e isto é comum, o doente oncológico raramente vai sozinho ao hospital ou às consultas, (no meu caso raramente vou acompanhado por isso este tipo de situação nunca me tinha acontecido) e entre o medico e o acompanhante, ou cuidador, estabelece-se uma espécie de pacto de boas intenções no pressuposto que o acompanhante será a pessoa mais bem habilitada para tomar decisões… daí que muitas vezes nem perguntam ao interessado (doente) o que ele acha… passam logo ao pacto de boas intenções e falam com o acompanhante, os benefícios, as desvantagens, a parte financeira e tudo o que for objeto de decisão…

Acredito que na grande maioria das situações é o próprio doente a afastar-se e a alhear-se das decisões e outras asserções relativas à doença e aos processos inerentes mas também acredito que a boa intenção dos acompanhantes/cuidadores também os leva muitas vezes a substituir-se ao doente e a tomar as decisões que a ele lhe caberiam de uma forma quase inconsciente, apenas a vontade de ajudar o outro é o motor deste comportamento, mas também existem muitas situações em que os acompanhantes/cuidadores tomam as decisões dos doentes em plena consciência que estão a substituir-se ao outro e muitas vezes tomam decisões contrárias às opiniões dos doentes porque acham que eles é que sabem o que será o melhor para os seus doentes…

Enfim, não acho que seja um cenário bonito mas é a realidade principalmente para as pessoas da minha geração e anteriores, não deveria ser assim… mas muitas vezes são os próprios doentes os responsáveis…. e no caso dos homens, é quase um senso comum que é a mulher que vai a consulta com o marido, discute com o médico, faz todo o tipo de perguntas, substitui-se descaradamente ao marido quando chega a hora de tomar as decisões ou então manipula das mais variadas maneiras o seu doente de forma a que ele tome a decisão que ela acha correta… e meus amigos feliz ou infelizmente, a maioria dos maridos delega alegre e felizmente toda a sua responsabilidade na sua companheira… não sei se isto é bom ou mau…. afinal quem sou eu para julgar seja o que for?  Só sei que este comportamento está tão arreigado que leva os próprios médicos a procurar a opinião da acompanhante pois parece que a decisão não fica bem tomada se não tiver o consentimento da esposa….


Enquanto eu puder, eu espero conseguir tomar todas as minhas decisões, posso consultar as pessoas que me são mais chegadas como a minha mulher ou outros mas faz parte da minha forma de me manter vivo e interessado tomar as decisões que me dizem respeito!

Não me parece que se consiga viver a vida em pleno deixando as nossas decisões para outros! e se não conseguirmos viver a nossa vida em pleno, qual o sentido de toda esta luta?