domingo, 5 de setembro de 2021

5 Anos de Sobrevida!

 


E assim cheguei ao 5º ano de sobrevida... Não foi fácil mas foi o possível...! No início deram-me como limite 5 anos pois a estatística da altura apontava para apenas 9% de sobreviventes ao fim de 5 anos... A ultima atualização do site da  American Cancer Society  refere 13%, o que é bastante bom apesar de pouco.

Há cinco anos não achava que fosse possível chegar aqui, mas passito a passito cá cheguei. Como foram estes 5 anos? Posso considerar várias etapas segundo a minha qualidade de vida. 


2016-2018 - 1º linha de tratamento

Após um breve período inicial com o tratamento do Sunitinib, com muitos e severos efeitos secundários que me retiravam muita qualidade de vida, aceitei a sugestão da minha médica de passar para o Pazopanib que, apesar de ter também muitos efeitos secundários, não eram assim tão severos. A partir daí deixei de ter o síndrome de mão-pé (punha-me as mãos e os pés em ferida), o que só por si foi uma lufada de ar fresco na minha vida. Contudo, durante todo esse tempo sofri dos outros efeitos secundários: náuseas, por vezes vómitos, diarreias, tensão hiper alta, azia, branqueamento da pele e do cabelo, sangramento e ardor das gengivas, etc...
Esta mudança de tratamento devolveu-me qualidade de vida e permitiu-me fazer algumas viagens e trekkings que eu já julgava impossíveis de concretizar. Isso deu-me bastante alento e força para continuar esta luta e conseguir ter a par dos tratamentos muitos momentos de eternidade ou felicidade... Claro que todas as minhas viagens foram feitas segundo as indicações da minha médica Drª Ana Opinião, do IPO de Lisboa, a quem devo toda a sua dedicação no sentido de me ajudar a concretizar as minhas viagens com listas intermináveis de medicação e conselhos para fazer face a todas as hipotéticas situações que pudessem surgir, nomeadamente nas montanhas, assim como paragens pontuais da medicação para me ajudar nas atividade mais exigentes fisicamente (paragens essas sem colocar em causa o sucesso terapêutico).


2018-2020 - Progressão para os ossos

No final do verão de 2018, comecei a sentir dores cada vez mais fortes e depois de alguns exames concluiu-se que tinha havido progressão para varias localizações ósseas, nomeadamente, cervical, dorsal, lombar, ilíaco e fémur, além de um arco costal direito. Nesta fase sofri grandes dores tratadas com morfina e outros sedativos que ao fim de algum tempo conseguiram devolver me paz de espirito. Todas estas lesões ósseas foram alvo de radio cirurgia na Fundação Champalimaud, uma vez que o IPO se recusou a aplicar o tratamento porque eram mais de 3 metástases... e ainda uma intervenção cirúrgica na CUF porque uma das vertebras colapsou e teve de ser substituída por próteses, além de várias injeções de cimento ósseo nas vertebras dorsais e lombar. Depois desta fase de tratamentos das lesões e mudança da terapêutica sistémica para o Axitinib, com efeitos secundários mais extremos, regressei novamente a uma situação de mais ou menos normalidade o que me permitiu voltar às minhas viagens, mas sem a componente de trekking... a vida é uma sucessão de etapas e em cada uma temos de nos adaptar ao que nos é possível fazer...


2020 até agora - Dificuldades de locomoção

No inicio de 2020, comecei a sentir algumas dores na perna esquerda e no curto espaço de 3 meses deixei de me conseguir deslocar sem o auxílio de muletas. Após muitos exames, tacs, ressonâncias, e eletromiogramas, o veredicto das duas instituições - IPO e Fundação Champalimaud - e dos vários técnicos envolvidos, foi de que não houve progressão das lesões (muito pelo contrário, houve até algumas diminuições significativas) e a situação ficou-se a dever à destruição de alguns nervos na zona do ilíaco, nomeadamente o ciático e safeno, entre outros, por sequela da radio cirurgia havida nessa zona... ou seja, não se morre do mal, morre-se da cura. O facto é que desde essa altura até agora todas as minhas lesões ósseas ou estão estáveis ou apresentam regressões evidentes... do mal o menos. Nesta fase fiquei com a mobilidade muito reduzida, consigo andar de muletas (ou canadianas, conforme preferirem chamar) mas apenas curtas distâncias. Para distâncias maiores recorro à cadeira de rodas. Melhorei alguma coisa com a fisioterapia, mas apenas me impede de ficar pior. 
Esta situação tem sido a mais difícil de gerir e aceitar, embora a minha força de vontade consiga mais uma vez voltar à tona de água, pois ainda consigo conduzir (troquei o carro para um de mudanças automáticas e isso ainda me permite ter alguma autonomia), ir almoçar com os meus amigos, ir sozinho à fisioterapia, etc.. Mas é todo um processo de aceitação e desapego que temos de permitir o cérebro fazer...

Em todo este processo tenho vários fatores a destacar que me têm ajudado a palmilhar o meu caminho:

  • Conseguir concretizar ainda alguns sonhos, apesar da quimioterapia permanente...
  • A criação da Associação de Cancro do Rim de Portugal - AC RIM, que me tem ocupado muito tempo, e cuja entrega e dedicação me têm ajudado a sentir útil e a dar um sentido à minha sobrevida;
  • O meu núcleo familiar mais chegado, a minha Helena, os meus filhos, o meu irmão e família e alguns amigos que ficaram e eu tanto prezo... que me ajudam tanto... mesmo que às vezes não o saibam...
  • A ajuda da minha sócia que tem sido fundamental para a manutenção e crescimento da sociedade que levei uma vida a construir...
  • A Deus por me permitir ir sobrevivendo e sobretudo por me ajudar a aceitar cada etapa da minha vida recente.

Por isso perguntam-me foi fácil? Não, não foi... mas durante todo este tempo vivi muitos momentos de alegria, entrega, partilha, entre ajuda e muitas outras coisas que me fizeram evoluir enquanto ser humano e tornar-me uma melhor pessoa...


segunda-feira, 5 de abril de 2021

AC RIM - Associação de Cancro do Rim de Portugal


Pois é, com tudo isto tenho me esquecido de vos informar que finalmente em 12 de Dezembro, o grupo de doentes de cancro renal, constituiu oficialmente uma associação de cancro do rim que nasceu de um desejo muito forte dos pacientes com cancro renal avançado de interagir, cooperar e partilhar conhecimentos e experiências. Este é o quadro para quem é diagnosticado com este cancro:


  • O nosso cancro é raro pois só representa cerca de 3% de todos os tumores malignos.
  • O cancro do rim é frequentemente  diagnosticado  acidentalmente.
  • Estimando-se que tenham sido diagnosticados cerca de 1300 novos casos em 2018.
  • O cancro do rim é mais frequente nos homens do que nas mulheres e é geralmente diagnosticado entre os 50 e os 70 anos.
  • Atualmente existe pouca informação sobre a doença e formas de tratamentos. 


A associação tem como missão representar a comunidade do cancro renal através da defesa dos nossos direitos, consciencialização, informação e pesquisa e tem como objetivo:

  •   garantir cuidados de saúde uniformes em todo o país;
  •   promover o acesso de todos os doentes a terapêuticas inovadoras;
  •   promover a divulgação de informação sobre cancro do rim;
  •   promover fóruns de discussão sobre a doença;
  •   garantir apoio e informação sobre a doença a doentes e familiares;
  •   promover e facilitar a realização de ensaios clínicos em Portugal;
  •   promover a partilha e experiências;
  •   angariar fundos para promoção da investigação nacional em cancro do rim. 
Se é doente de cancro de rim, se é cuidador ou se conhece alguém nessas situações entre em contacto connosco, junto seremos imensamente mais Fortes!
 
O

Os contactos da associação são:

      Site: https://www.ac-rim.org/

email: geral@ac-rim.org

      Facebook:  https://www.facebook.com/cancro.renal

Tel. 969089599´

      Rua  Tavares Belo, nº 4-B

      1750-279 LISBOA






quarta-feira, 31 de março de 2021

Estar disponível

Com o problema na perna esquerda, uma sequela da radiocirurgia na zona da bacia e fémur que teve como consequência a dificuldade em andar e a necessidade de usar canadianas, entrei num outro mundo que não conhecia... o mundo dos deficientes motores... Esta minha atual limitação fez-me ver a vida de uma outra forma que eu nunca tinha visto... Estava numa perspetiva muito egoísta e via apenas o meu umbigo? Ou pura e simplesmente vivia demasiado ocupado e obcecado pelos aspetos da minha vida que sem querer e sem me aperceber deixei de estar disponível para os outros? Penso que seria mais esta segunda hipótese, pois penso que a maioria das pessoas não são egoístas conscientemente, simplesmente estão tão focadas em si próprias que deixam de "olhar para o lado" o que era nitidamente o meu caso e acredito que o da maioria das pessoas.

Neste minha nova vida além de andar de canadianas tambem ando bastante mais lento pois o facto de a radioterapia me ter afetado vários nervos na zona da anca e bacia tornou mais difíceis todos os movimentos. Assim, tenho me deparado com situações bem caricatas, algumas que ate me dão alguma vontade de rir pese embora a gravidade da situação. Pessoas que se apressam a passar me à frente aproveitando-se da minha lentidão... Outros que olham pelo canto do olho fingindo que não me veem para não ter que me dar a sua vez... Muitos que estão tão absorvidos no seu mundo que acredito mesmo que não me veem... E acredito porque muito provavelmente eu ha uns tempos se calhar também eu era assim, embora eu me lembre que sempre que via alguém a precisar de lugar ou de vez me disponibilizar imediatamente mas admito que possam ter havido vezes que eu próprio estava tão focado noutros assuntos que nem me apercebia das necessidades alheias. 

Deste tipo de situações quase que dava para fazer uma estatística do tipo de pessoas que mais dificuldade têm em disponibilizar-se para aos outros. Tenho constatado que as mulheres oferecem mais resistência em disponibilizar a sua vez que os homens... que os mais velhos têm mais dificuldade em disponibilizar o seu lugar que os mais novos... E ironia das ironias, o local onde é mais dificil alguém disponibilizar a sua vez, é no IPO...

Mas também existem coisas positivas, não é tudo mau... aprendi a pedir ajuda que era uma coisa que eu tinha muita dificuldade em fazer... Orgulho ferido? talvez... não o vou negar... às vezes é mais fácil ajudar do que pedir ajuda... Mas o destino e a necessidade faz-nos sair da nossa zona de conforto e fazer coisas para as quais também não estávamos disponíveis e no meu caso, uma dessas coisas era precisamente pedir ajuda... Nesta conformidade e passados todos estes meses já não tenho qualquer problema em pedir ajuda quando preciso e muitas vezes fazer valer os meus direitos de deficiente motor...

De tudo isto, confrontei-me com algumas limitações que nos atingem a todos enquanto humanidade, a primeira é que existe uma dificuldade efetiva de estarmos disponíveis para as necessidades dos outros sendo que na sua maioria resultam de estarmos demasiado focados em nós próprios, nas nossas necessidades e nas dos que nos são mais próximos. Esta falta de disponibilidade resulta em grande parte do nosso modo de vida atual, vivemos focados nos objetivos materiais e monetários e na sua ostentação de tal forma que temos dificuldade em olhar para o lado e sentirmos as necessidades de ajuda dos outros. A segunda é a dificuldade que a maioria de nós tem em pedir ajuda, um dos nossos defeitos de caracter coletivos, o orgulho. Pensamos muito frequentemente que pedir ajuda é um pouco rebaixarmo-nos aos outros por isso pedir ajuda é uma das formas de ferirmos o nosso orgulho. Para ultrapassarmos isto é necessário, primeiro reconhecer este nosso defeito, coisa que não é assim tão fácil de efetuar (até porque a maioria das pessoas não tem essa consciencia) e que necessita de algum trabalho de introspeção e meditação, depois tentar corrigir no nosso dia a dia esta nossa limitação pedindo ajuda sempre que dela necessitamos.

Agora passado quase um ano desde que adquiri esta situação, peço ajuda quando necessito e de uma forma geral as pessoas ajudam, mas muitas vezes tenho de pedir para me tornar visível, pois se não o fizer vão continuar a não me ver...

De qualquer forma existem 2 coisas a reter... primeiro que temos todos de estar mais disponíveis para os outros e depois que temos todos de deixar o orgulho de lado e estarmos disponiveis para pedir ajuda quando a necessitamos.




quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

 Mudança, Viver a vida, um dia de cada vez!


Há bastante tempo que não escrevo aqui nada...  Não me tem apetecido... E porquê? Talvez tenha passado um tempo de introspeção, também um tempo de luto e em simultâneo um tempo de aceitação... Por outro lado sentia que devia escrever algo principalmente para quem me lê e tem a mesma doença ou semelhante, pois a ausência podia ser confundida com a minha partida e eu pretendo continuar a dar o meu testemunho enquanto puder.

Em meados de Março do ano passado comecei a sentir menos força na perna esquerda e algum descontrolo do pé esquerdo, imediatamente pensei que seria progressão da doença e dirigi-me de imediato à fundação Champalimaud para fazer ressonâncias magnéticas à coluna para conhecer o estado ou o avanço das metástases ósseas principalmente as do ilíaco e fémur. Sim tive de ir à fundação graças ao meu seguro de saúde pois no IPO como devem calcular iria demorar muito tempo a marcar estes exames e muito provavelmente ressonância magnética o exame mais adequado neste caso, o IPO não o ia permitir pois o custo é muito elevado... Assim é o nosso tão apregoado Serviço Nacional de Saúde.

Depois de muitos exames, ressonâncias, tac's e eletromiogramas, concluíram os médicos tanto do Champalimaud como do IPO que a radio cirurgia que fiz ao ilíaco (bacia) tinha deixado sequelas (radicite) que me afetaram o nervo ciático entre outros de uma forma irreversível (não se morre do mal morre-se da cura). Não sendo as minhas queixas derivadas de progressão da doença pois todos os exames relevaram estabilidade das lesões concluiu-se que foi efetivamente um efeito secundário da rádio. Este processo de degeneração foi rápido e em pouco mais de um mês fiquei com duas canadianas e com muita dificuldade de locomoção.

Como devem calcular tudo isto foi um inesperado e duro golpe.... obrigou me a trocar de carro para outro de mudanças automáticas, obrigou-me a modificar toda a minha vida diária e sobretudo obrigou me a confrontar com a minha imobilização motora. Passei a fazer fisioterapia duas vezes por semana, o que me tem ajudado bastante pois é quase certo que sem a fisioterapia estaria já completamente imobilizado numa cadeira de rodas. Foram dias muito duros até fazer o luto da minha situação anterior e aceitar a atual. Aceitar que se acabaram as viagens, aceitar que se acabou grande parte da minha autonomia, aceitar que se acabou a minha capacidade de caminhar livremente, aceitar o aumento progressivo dos meus problemas físicos derivados da doença, sei lá que mais..., tem sido um grande esforço de aceitação e daí também o meu silêncio....

Neste momento estou assim, mais fechado em casa, tirando os dias que vou à fisioterapia ou aos hospitais fazer exames e alguns passeios até à Ericeira e pouco mais. Valeu-me o verão e o uso da piscina para me dar alguma qualidade de vida... Consegui ir de férias para o Algarve, escolher um hotel com acesso próprio à praia, ia e vinha de canadianas e consegui inclusive ir ao banho com elas. Foram duas semanas divertidas juntamente com a família e apesar das tempestades temos de  continuar recetivos à alegria e diversão para podermos continuar a sentir momentos de eternidade... Uma outra forma muito diferente de viajar... Uma outra forma de viver a vida, depois da tempestade vem a bonança só que neste caso temos de ser nós o veículo dessa bonança pois a vida é feita de Mudanças e para cada mudança temos de fazer um luto e uma aceitação principalmente quando as mudanças são para pior... mas o mais importante mesmo é que consigamos fazer o luto do que vamos perdendo, aceitar as limitações decorrentes dessas mudanças e conseguir, um dia de cada vez vivermos com o mínimo de felicidade...

É importante para quem vive um processo de transformação assim, praticar um desapego efetivo sobre as coisas boas que deixamos de ter, uma aceitação de facto das novas situações e limitações que nos surgem porque sem o desapego e a aceitação é impossível viver este processo chamado cancro com o mínimo de qualidade de vida, porque a principal componente da nossa qualidade de vida está no nosso cérebro e na nossa atitude...

O cancro é um processo mais ou menos lento em que vamos perdendo coisas que são dadas como adquiridas e que achamos que são intrínsecas a nós próprios... Desenganem-se, nada é adquirido! No processo de morte do corpo podemos mesmo perder tudo ou quase tudo... No meio desta doença nunca me tinha passado pela cabeça que poderia um dia deixar de andar... logo eu que o meu desporto favorito eram as caminhadas e o montanhismo... enfim.... e como o andar muitas outras coisas que temos podemos perder rapidamente, todos os 5 sentidos e muito mais...

Por tudo isto, temos todos, os doentes de cancro e não só, tambem as pessoas saudáveis que estar disponíveis para aceitar as mudanças que vão acontecendo na vida de todos nós, porque na vida tudo está sempre em mudança, mesmo quando nos parece que está tudo estático, há sempre qualquer coisa a mudar....