E assim cheguei ao 5º ano de sobrevida... Não foi fácil mas foi o possível...! No início deram-me como limite 5 anos pois a estatística da altura apontava para apenas 9% de sobreviventes ao fim de 5 anos... A ultima atualização do site da American Cancer Society refere 13%, o que é bastante bom apesar de pouco.
Há cinco anos não achava que fosse possível chegar aqui, mas passito a passito cá cheguei. Como foram estes 5 anos? Posso considerar várias etapas segundo a minha qualidade de vida.
2016-2018 - 1º linha de tratamento
Após um breve período inicial com o tratamento do Sunitinib, com muitos e severos efeitos secundários que me retiravam muita qualidade de vida, aceitei a sugestão da minha médica de passar para o Pazopanib que, apesar de ter também muitos efeitos secundários, não eram assim tão severos. A partir daí deixei de ter o síndrome de mão-pé (punha-me as mãos e os pés em ferida), o que só por si foi uma lufada de ar fresco na minha vida. Contudo, durante todo esse tempo sofri dos outros efeitos secundários: náuseas, por vezes vómitos, diarreias, tensão hiper alta, azia, branqueamento da pele e do cabelo, sangramento e ardor das gengivas, etc...
Esta mudança de tratamento devolveu-me qualidade de vida e permitiu-me fazer algumas viagens e trekkings que eu já julgava impossíveis de concretizar. Isso deu-me bastante alento e força para continuar esta luta e conseguir ter a par dos tratamentos muitos momentos de eternidade ou felicidade... Claro que todas as minhas viagens foram feitas segundo as indicações da minha médica Drª Ana Opinião, do IPO de Lisboa, a quem devo toda a sua dedicação no sentido de me ajudar a concretizar as minhas viagens com listas intermináveis de medicação e conselhos para fazer face a todas as hipotéticas situações que pudessem surgir, nomeadamente nas montanhas, assim como paragens pontuais da medicação para me ajudar nas atividade mais exigentes fisicamente (paragens essas sem colocar em causa o sucesso terapêutico).
2018-2020 - Progressão para os ossos
No final do verão de 2018, comecei a sentir dores cada vez mais fortes e depois de alguns exames concluiu-se que tinha havido progressão para varias localizações ósseas, nomeadamente, cervical, dorsal, lombar, ilíaco e fémur, além de um arco costal direito. Nesta fase sofri grandes dores tratadas com morfina e outros sedativos que ao fim de algum tempo conseguiram devolver me paz de espirito. Todas estas lesões ósseas foram alvo de radio cirurgia na Fundação Champalimaud, uma vez que o IPO se recusou a aplicar o tratamento porque eram mais de 3 metástases... e ainda uma intervenção cirúrgica na CUF porque uma das vertebras colapsou e teve de ser substituída por próteses, além de várias injeções de cimento ósseo nas vertebras dorsais e lombar. Depois desta fase de tratamentos das lesões e mudança da terapêutica sistémica para o Axitinib, com efeitos secundários mais extremos, regressei novamente a uma situação de mais ou menos normalidade o que me permitiu voltar às minhas viagens, mas sem a componente de trekking... a vida é uma sucessão de etapas e em cada uma temos de nos adaptar ao que nos é possível fazer...
2020 até agora - Dificuldades de locomoção
No inicio de 2020, comecei a sentir algumas dores na perna esquerda e no curto espaço de 3 meses deixei de me conseguir deslocar sem o auxílio de muletas. Após muitos exames, tacs, ressonâncias, e eletromiogramas, o veredicto das duas instituições - IPO e Fundação Champalimaud - e dos vários técnicos envolvidos, foi de que não houve progressão das lesões (muito pelo contrário, houve até algumas diminuições significativas) e a situação ficou-se a dever à destruição de alguns nervos na zona do ilíaco, nomeadamente o ciático e safeno, entre outros, por sequela da radio cirurgia havida nessa zona... ou seja, não se morre do mal, morre-se da cura. O facto é que desde essa altura até agora todas as minhas lesões ósseas ou estão estáveis ou apresentam regressões evidentes... do mal o menos. Nesta fase fiquei com a mobilidade muito reduzida, consigo andar de muletas (ou canadianas, conforme preferirem chamar) mas apenas curtas distâncias. Para distâncias maiores recorro à cadeira de rodas. Melhorei alguma coisa com a fisioterapia, mas apenas me impede de ficar pior.
Esta situação tem sido a mais difícil de gerir e aceitar, embora a minha força de vontade consiga mais uma vez voltar à tona de água, pois ainda consigo conduzir (troquei o carro para um de mudanças automáticas e isso ainda me permite ter alguma autonomia), ir almoçar com os meus amigos, ir sozinho à fisioterapia, etc.. Mas é todo um processo de aceitação e desapego que temos de permitir o cérebro fazer...
Em todo este processo tenho vários fatores a destacar que me têm ajudado a palmilhar o meu caminho:
- Conseguir concretizar ainda alguns sonhos, apesar da quimioterapia permanente...
- A criação da Associação de Cancro do Rim de Portugal - AC RIM, que me tem ocupado muito tempo, e cuja entrega e dedicação me têm ajudado a sentir útil e a dar um sentido à minha sobrevida;
- O meu núcleo familiar mais chegado, a minha Helena, os meus filhos, o meu irmão e família e alguns amigos que ficaram e eu tanto prezo... que me ajudam tanto... mesmo que às vezes não o saibam...
- A ajuda da minha sócia que tem sido fundamental para a manutenção e crescimento da sociedade que levei uma vida a construir...
- A Deus por me permitir ir sobrevivendo e sobretudo por me ajudar a aceitar cada etapa da minha vida recente.
Por isso perguntam-me foi fácil? Não, não foi... mas durante todo este tempo vivi muitos momentos de alegria, entrega, partilha, entre ajuda e muitas outras coisas que me fizeram evoluir enquanto ser humano e tornar-me uma melhor pessoa...