sábado, 24 de março de 2018

O day after, o inicio da aceitação




Quando as coisas começaram a estabilizar em termos de hospitais e tratamentos e medicações iniciei outro tipo de caminhada... comecei a aprender a viver com este problema, sim porque logo a seguir às más noticias a sensação é que vamos morrer na semana seguinte... eu lembra-me de pensar: como vou eu conseguir continuar de pé com isto? como vou viver sem futuro? como consigo continuar a minha vida sabendo que dentro de poucos anos tudo se vai acabar? foram dia terríveis...

A sensação era uma montanha russa de emoções... algum tempo depois comecei a ficar "cansado" literalmente... deste desgaste emocional, é muito desgastante e destrutivo viver nesta instabilidade emocional, tanto estamos num estado profundamente depressivo como logo de seguida recuperamos e quase nos esquecemos do problema mas logo de seguida ele volta, é terrível e no meu caso acho que o cansaço venceu...

Ao fim de um tempo (tudo tem um tempo e há um tempo para tudo) comecei a sentir me cansado de estar sempre no mesmo registo porque afinal de contas a vida continuava eu não tinha morrido no dia seguinte, estava tudo aí na mesma, o trabalho, a família, a casa, o escritório, tudo continuava... e eu tinha de continuar também... não podia anular tudo o que se estava a passar mas tinha de enfrentar as coisas, principalmente as coisas do dia a dia... as rotinas até porque a vida profissional tal como a tinha e tenho planificada não permitia faltar e ficar de baixa, tinha de continuar.... por um lado a força das circunstâncias obrigou-se a reagir.... não sei como seria tudo isto se eu tivesse outro tipo de emprego e pudesse ficar de baixa médica, é possível que este processo fosse mais lento...


Há um outro elemento fundamental neste contexto, a aceitação! Não é fácil, é um processo muito lento, sempre incompleto e com muitos avanços e muitos recuos, mas o inicio da aceitação é condição mínima para conseguirmos levantar a cabeça e continuar porque sejamos realistas... não podemos modificar a doença nem livrarmo-nos dela, sabemos que apenas uma percentagem muito pequena (5%) de casos raros ultrapassam o quinto ano, como podemos continuar a viver minimamente tranquilos se não começarmos a trabalhar a aceitação?

Mas não tenhamos ilusões porque para aceitarmos a morte sem reservas temos de renunciar à vida, desapegarmo-nos completamente de tudo, das coisas, das pessoas, da vida... os budistas têm boas definições deste desapego que eles praticam... por isso é uma ilusão tentarmos aceitar a situação plenamente, é impossivel..., o ideal é ir aceitando conforme conseguimos, conforme a nossa mente nos deixa e claro há que ir desapegando das coisas e esse é um processo também muito doloroso que um dia destes falarei...


De tudo isto ressalta uma coisa, que há que trabalhar a aceitação à medida das nossas possibilidades e essa aceitação permite-nos lutar com mais força, com mais assertividade, desfocar do futuro e focar na nossa vida atual e sobretudo na qualidade de vida que temos agora... Viver o Hoje!

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