terça-feira, 27 de março de 2018

Pazopanib, a alternativa e o regresso às Caminhadas


Nos primeiros meses de 2017, os efeitos do Sunitinib estavam a retirar-me bastante qualidade de vida, além de todos os habituais efeitos secundários, o cansaço era cada vez maior, era-me cada vez mais difícil fazer caminhadas com mais 15 kms e as subidas tornavam-se um tormento... de tal forma que comecei a fazer caminhadas apenas quando estava no período de descanso e mesmo assim era quase uma penitência...outros fatores ainda como hipertensão e outros fizeram com que a médica me propusesse a mudança para um medicamento alternativo, o pazopanib que é também um inibidor de angiogénese da mesma linha do medicamento que estava tomar apenas com a diferença que este não tem período de descanso, toma-se todos os dias sem paragens, mas apesar disso é mais facilmente tolerável pelos doentes.

Ela já tinha por diversas vezes abordado esta mudança mas eu opunha-me, pois apesar dos artigos que lia na internet dizerem todos que os dois medicamentos tinham eficácia semelhantes e nenhum estudo havia concluído que um fosse melhor que o outro, eu nas pesquisas que fazia via sempre mais casos de longevidade do sunitinib do que no pazopanib e como sabia que o custo deste ultimo era inferior sempre pensei que fosse política do IPO administrar este por uma questão económica. Mas entretanto percebi e mais que um medico me explicou em consultas de 2ª opinião que a razão porque se viam  mais casos do sunitinib era porque este medicamento era anterior ao sunitinib, pois o primeiro havia começado em 2007 e este em 2011, e os estudos da internet já tinham 2 ou 3 anos daí que os casos de longevidade fossem mais numerosos de um medicamento que de outro...

Assim, aceitei a mudança e os reflexos foram quase imediatos, ao fim de poucas semanas eu já tinha outra qualidade de vida completamente diferente, o síndrome de mão-pé diminuiu muitíssimo, as tonturas e náuseas passaram a ser muito menos, as dores na boca desapareceram e praticamente todos os efeitos se reduziram, com exceção das diarreias que são o efeito mais relevante deste medicamento.

Esta mudança foi como um renascer... continuei com excesso de peso, algum inchaço, a pele deixou de estar amarela mas agora começou a ficar cada vez mais branca... de tal forma que no aeroporto perguntam-se sempre se falo português, eu um gajo tipicamente mediterrânico moreno e de cabelo preto a revelar as minhas origens do sul... agora passo por norte europeu... o cabelo preto passou a castanho claro, de cabelo forte e farto passou a fraco e pouco e a pele branqueou muitíssimo desde que mudei o medicamento, há relatos de indivíduos de raça negra que passaram a mulatos claros com este medicamento... agora no fim de velho, quase louro e pele branquinha... ele há coisas... (risos).

Em consequência desta melhoria, recomecei a fazer caminhadas quase todos os fins de semana como antes... senti-me o ser mais feliz do mundo, era como se Deus me estivesse a dar uma segunda oportunidade de ainda ter uma vida quase normal.....

Nesta nova condição física e anímica senti-me tentado a voltar aos Alpes... falei com a minha médica que tem sido maravilhosa na forma como me dá força a continuar a fazer as coisas que me dão prazer... e ela respondeu-me, mas porque é que não vai? ... e claro com a força que ela me deu lá marquei um subida até aos Alpes Italianos, no maciço do Gran-Paradiso... Mas isso fica para o próximo artigo...

sábado, 24 de março de 2018

O day after, o inicio da aceitação




Quando as coisas começaram a estabilizar em termos de hospitais e tratamentos e medicações iniciei outro tipo de caminhada... comecei a aprender a viver com este problema, sim porque logo a seguir às más noticias a sensação é que vamos morrer na semana seguinte... eu lembra-me de pensar: como vou eu conseguir continuar de pé com isto? como vou viver sem futuro? como consigo continuar a minha vida sabendo que dentro de poucos anos tudo se vai acabar? foram dia terríveis...

A sensação era uma montanha russa de emoções... algum tempo depois comecei a ficar "cansado" literalmente... deste desgaste emocional, é muito desgastante e destrutivo viver nesta instabilidade emocional, tanto estamos num estado profundamente depressivo como logo de seguida recuperamos e quase nos esquecemos do problema mas logo de seguida ele volta, é terrível e no meu caso acho que o cansaço venceu...

Ao fim de um tempo (tudo tem um tempo e há um tempo para tudo) comecei a sentir me cansado de estar sempre no mesmo registo porque afinal de contas a vida continuava eu não tinha morrido no dia seguinte, estava tudo aí na mesma, o trabalho, a família, a casa, o escritório, tudo continuava... e eu tinha de continuar também... não podia anular tudo o que se estava a passar mas tinha de enfrentar as coisas, principalmente as coisas do dia a dia... as rotinas até porque a vida profissional tal como a tinha e tenho planificada não permitia faltar e ficar de baixa, tinha de continuar.... por um lado a força das circunstâncias obrigou-se a reagir.... não sei como seria tudo isto se eu tivesse outro tipo de emprego e pudesse ficar de baixa médica, é possível que este processo fosse mais lento...


Há um outro elemento fundamental neste contexto, a aceitação! Não é fácil, é um processo muito lento, sempre incompleto e com muitos avanços e muitos recuos, mas o inicio da aceitação é condição mínima para conseguirmos levantar a cabeça e continuar porque sejamos realistas... não podemos modificar a doença nem livrarmo-nos dela, sabemos que apenas uma percentagem muito pequena (5%) de casos raros ultrapassam o quinto ano, como podemos continuar a viver minimamente tranquilos se não começarmos a trabalhar a aceitação?

Mas não tenhamos ilusões porque para aceitarmos a morte sem reservas temos de renunciar à vida, desapegarmo-nos completamente de tudo, das coisas, das pessoas, da vida... os budistas têm boas definições deste desapego que eles praticam... por isso é uma ilusão tentarmos aceitar a situação plenamente, é impossivel..., o ideal é ir aceitando conforme conseguimos, conforme a nossa mente nos deixa e claro há que ir desapegando das coisas e esse é um processo também muito doloroso que um dia destes falarei...


De tudo isto ressalta uma coisa, que há que trabalhar a aceitação à medida das nossas possibilidades e essa aceitação permite-nos lutar com mais força, com mais assertividade, desfocar do futuro e focar na nossa vida atual e sobretudo na qualidade de vida que temos agora... Viver o Hoje!

quinta-feira, 22 de março de 2018

Os meus amigos Mono-Rins ou Mono-Riñones


Quando me indicaram o tratamento com sunitinib comecei de imediato a fazer pesquisas mas com muito poucos resultados, as referências na Internet além de estarem em inglês eram mais de carácter técnico e pouco me ajudavam. 

A liga portuguesa contra o cancro tinha muitos testemunhos mas quase todos de cancro de mama, pulmão e próstata, os mais conhecidos, e sempre frases muito curtas que de pouco me serviam. Encontrei a associação de câncer espanhola e vi que tinha um fórum onde qualquer pessoa podia escrever e como tenho alguns conhecimentos de espanhol decidi colocar um post a procurar pessoas que conhecessem o medicamento e os seus efeitos... Pouco tempo depois recebi resposta de uma amiga espanhola catalã dizendo que tinham um grupo no whatsapp com mais pessoas que tinham cancro renal, a maior parte deles metastizados e se eu queria integrar o grupo... Foi para mim uma das melhores noticias depois que esta montanha russa começou!

Um grupo espetacular que me recebeu de braços abertos mesmo com a barreira linguista, foi extraordinário encontrar pessoas com o mesmo problema, com as mesmas angustias, a mesma predestinação.
Neste grupo ajudo e sou ajudado, começa logo bem cedo pela manhã, vamos acordando e dando os bons dias uns aos outros, é incrível a alegria com que vivemos cada dia, não é um grupo de choros nem de lutos, não é um grupo de predestinados não senhor... claro que falamos da doença, damos conselhos uns aos outros sobre a forma de ultrapassarmos os efeitos secundários, damos força quando algum está em baixo, mas sabemos que temos ali um grupo de pessoas que nos ouvem mesmo, que entendem as nossas angustias e as nossas frustrações muitas vezes mesmo sem dizermos nada... porque todos nós estamos a passar pelo mesmo...

Podem pensar que se trata de um grupo doentio, mas meus amigos, muito longe disso, rimo-nos contamos piadas, por vezes rimo-nos da própria doença, é sobretudo um ponto de apoio para todos! 3 meses depois os do lado ocidental da península ou Ibéria como nós lhe chamamos para quebrar a barreira fronteiriça, fizemos um encontro em Lisboa, eu o meu amigo Juan de Ayamonte e o nosso amigo Ivan da Coruña, foi um fim de semana espetacular, fartamo-nos de passear, comer e beber (sim porque também ainda gostamos de vinho e de boa comida) fomos aos fados, enfim... um fim de semana de festa, quem nos visse ninguem diria o motivo que nos tinha junto....

Em Junho de 2017 fizemos um mega encontro nas Astúrias em Llastres, uma bela vila piscatória, vieram de toda a Ibéria, da Catalunha, do País Basco, de La Mancha e da Andaluzia, ocupamos um alojamento turístico só para nós e foi um fim de semana inesquecível, infelizmente um deles ja partiu, o nosso querido José de Bilbao... mas ficou-nos a recordação dele, do seu bom humor.....

Este grupo foi, é... e vai continuar a ser um dos meus principais pilares de sustentação, logo a seguir à minha família claro... e estou grato mas mesmo muito grato por tê-los encontrado, e claro como todos nós apenas temos um só rim... eu chamo-os os meus Amigos Mono-Rinhons!

May, Juan, Ivan, Celsa, Isa, Pepe, Lukene, Maria, Santi, Rebeca, Manolo e otros!

Muchas Gracias por seguiren aí!


quarta-feira, 21 de março de 2018

Os efeitos secundários


Depois que iniciei os tratamentos, entrei no hospital Amadora-sintra, passei para o IPO e então finalmente as situação começou a estabilizar...
Mas entretanto os efeitos secundários do sunitinib foram aumentando e por volta de Novembro estavam ao rubro.

Sensação permanente de fadiga, hipertensão, calosidades tóxicas dolorosas nos pés e nas mãos (síndrome de mão-pé), tonturas, aftas, náuseas, pele amarela em todo o corpo, acido úrico acima dos limites, aumento de peso, inchaço e retenção de líquidos, queda do nível das plaquetas, diminuição dos glóbulos brancos... aumento dos triglicéridos (chegaram aos 900 quando o máximo é 150), dores na boca,  ardor quando lavava os dentes, azias, etc.. etc.. etc...

Mas atenção... apesar de tudo isto continuei sempre a trabalhar... muitas vezes era um esforço sobre humano levantar-me de manhã... mas tinha que ser... o síndrome de mão-pé obrigou-me a reduzir as caminhadas e mesmo a suprimir algumas ao fim de semana, mas como tomava 4 semanas e descansava 2, assim que os efeitos diminuíam lá ia eu todo contente ao sábado de manhã para caminhada, as vezes semi-nauseado... com os pés cheios de creme e meias grossas para não me doerem tanto.... 
Por causa da inflamação nos pés quando chegava ao fim do ciclo quase não conseguia andar e uma das vezes fiquei em casa porque era impossível ir trabalhar, mas não dei tréguas, trabalhei toda a semana em casa por acesso remoto...

Os ciclos eram neste medicamento de 4 semanas a tomar e 2 a descansar, as duas de descanso passavam rapidíssimo e as 4 a tomar eram uma eternidade... lembro me que nas duas semanas de descanso mais ou menos ao 3º dia começava tudo a desaparecer eu começava a sentir me uma pessoa normal... que sensação tão boa e ao mesmo tempo tão estranha... sentir-me normal!

Nunca pensei em desistir, em ficar em casa sem fazer nada... suportei as dores e o resto dos efeitos (e ainda suporto, embora actualmente sejam menores), mas nunca desisti... eu acho que esse é o verdadeiro segredo de conseguirmos viver com isto... é nunca desistir... claro que também não devemos ser masoquistas... Por vezes temos que ter a consciência de que existem limites até para a nossa  teimosia.

As minhas terapias são o trabalho, as caminhadas, as viagens... Trabalhar tem sido para mim uma das maiores terapias, porque trabalhar faz-me sentir normal... faz-me sentir útil... faz-me sentir que ainda faço parte do mundo dos vivos! As caminhadas e o montanhismo fazem-me sentir feliz mesmo com todo o panorama que me rodeia....

A quem passa por estes processos o meu conselho é que não desistam das vossas rotinas, nem dos vossos hobbies, não deixem de trabalhar... mesmo que isso vos custe, não trabalham tanto... trabalham menos... mas não fiquem parados, prossigam com as coisas que vos dão prazer... se não conseguem fazer a 100% fazem a 70%, a 40% ou mesmo a 20% mas façam.... porque a diferença entre seguir vivo e entregar-se à morte é o continuar a fazer....seja o que for...

terça-feira, 20 de março de 2018

Saída forçada da CUF e portas fechadas no IPO


Depois de iniciar ao tratamento como dito sunitinib fui chamado ao gestor oncológico da CUF para me dizer que não podia continuar a ser seguido na Cuf Descobertas porque tinha atingido o plafond do meu seguro de saúde uma vez que cada caixa para 4 semanas de sunitinib custaria ao hospital cerca de 6.000 euros e a juntar ao custo da operação já tinha atingido o plafond máximo do seguro e por isso deveria pedir a entrada num hospital publico....

Dirigi-me logo de seguida ao meu medico de família que efetuou o pedido para dar entrada no IPO, pedido recusado por insuficiência de informação, o pedido dizia neoplasia renal com metástases pulmonares.... será que é preciso muito mais que isto? enfim... novo pedido com a historia toda pormenorizada, nova recusa desta vez por motivos "diversos", ou seja, o IPO tem 15 dias para responder e aceitar a entrada do doente... e vai ganhando tempo recusando os pedidos com motivos absurdos...

Entretanto a caixa do medicamento ia se esvaziando... as possibilidades de entrar no IPO iam escasseando, enquanto eu ainda tentava encontrar-me no caos em que se tinha transformado a minha vida... lidar com este tipo de problemas quando nem sequer sabemos muito bem como enfrentar o dia seguinte é o mais macabro que pode imaginar....  O medicamento acabou! eu sem hospital para me dar o medicamento, escusado será dizer que dado o seu custo e especificidade o sunitinib nem os outros medicamentos oncológicos são comercializados nas farmácias, apenas os hospitais os podem dar aos seus doentes... 2 dias depois de ter acabado os comprimidos, consegui uma consulta no Amadora-Sintra, depois de bater a muitas portas... enfim... a saúde portuguesa no seu melhor...

Fiquei a saber que os doentes que estão no sistema de seguros privados, quando se esgota o plafond não dão bem recebidos nos hospitais públicos, especialmente no IPO porque dizem que quando entramos lá passamos a frente dos doentes deles.... é do mais hipócrita este tipo de afirmação... eu era doente de quem? e à frente de quem tinha passado? se eu fui operado no privado paguei para isso... com o meu seguro e dei oportunidade que alguém fosse operado na minha vez num hospital publico com que direito se diz uma barbaridade destas a doente que vem do privado? é incompreensível mas o conselho que eu dou agora a qualquer pessoa que esteja a iniciar o processo é mesmo que seja operado no privado que dê logo entrada no sistema publico porque depois vai ver-se na mesma situação em que fiquei....

O Amadora-Sintra recebeu-me e estou grato por isso mas o sistema interno do hospital deixava muito a desejar pelo continuei a enviar pedidos para entrar no IPO e 3 meses depois lá consegui entrar no grupo dos doentes deles.... os bafejados pela sorte.... é triste mas é a realidade do serviço nacional de saúde que temos...

Por isso meus amigos, há que ter força, há que lutar para conseguirmos aquilo a que temos direito, eu sei que é difícil na situação anímica em que nos encontramos lutar contra um sistema destes, mas para viver a vida há que conquistá-la... há que fazer a nossa parte... ninguém nos disse que as nossas vidas seriam fáceis... nem o fim delas... mas lutando sentimo-nos vivos e isso é tão importante nestas situações!

Viva la vida!




Sunitinib - Um bloqueador de angiogénese


Depois de regressar dos Pirineus finalmente iniciei os tratamentos, tratava-se de um comprimido tomado diariamente durante um período de 4 semanas e paragem de 2 semanas para o corpo poder libertar a toxicidade - o principio ativo é o sunitinib e o nome da marca é Sutent.

Todos os medicamentos para o cancro geram enormes quantidades de toxicidade no corpo, desde as quimioterapias convencionais, radioterapia, bloqueadores de angiogénese e imunoterapias... 

O medicamento com que iniciei o tratamento, é um bloqueador de angiogenese, o que em linguagem simples quer dizer que é um medicamento que impede o tumor de aumentar as raízes, levando no caso de ser eficaz à sua redução ou mesmo erradicação por falta de nutrientes.

Este medicamento não resulta para todas as pessoas, há ainda um enorme desconhecimento na forma como o cancro nasce se desenvolve e evolui... Para as pessoas comuns é por demais evidente que a medicina evoluiu muito no combate ao cancro, mas na prática a melhoria dos resultados deve-se essencialmente a dois fatores, a precocidade dos diagnósticos que aumentam muito a taxa de sucesso dos tratamentos e o aumento da esperança média de vida pois é sabido que em pessoais mais idosas a  evolução dos tumores é tão baixa que os doentes acabam por morrer de morte natural....

Os bloqueadores de angiogenese e em especial o sunitinib, embora não sejam quimioterapias, têm uma panóplia enorme de efeitos secundários que muitas vezes retiram toda a qualidade de vida dos pacientes. No meu caso, foram náuseas, tonturas, azia, pequenas hemorragias principalmente ao lavar os dentes, tive que mudar a pasta de dentes, a escova, etc... mas o pior mesmo foi as calosidades tóxicas dolorosas na base dos pés que me impediram algumas vezes de sair de casa... assim começou a minha nova vida!

Mas há que agir! as náuseas e as tonturas eram pior de manhã... mesmo com dores nos pés muitas vezes continuei a fazer as minhas caminhadas de sábado, arranjei palmilhas mais grossas, andei com sapatos maiores, tentei de todas as formas ultrapassar as limitações, mesmo quando fiquei em casa durante uma semana sem poder pousar os pés no chão... trabalhei por acesso remoto mas nunca deixei as minhas rotinas, muitas vezes levantava-me nauseado, com tonturas, cansado... sem vontade para nada mas obrigava-me a levantar... tomar um duche e ir trabalhar.... depois quando chegava ao escritório parece que o pior já tinha passado mas penso que era eu que me estava a habituar a viver com isto...

Quando nos encontramos nesta situação, numa primeira fase pensamos que é o fim, é como se fossemos morrer no dia seguinte, mas depois semana após semana descobrimos que ainda estamos vivos e que fazer? antecipar a morte? antecipar o sofrimento? não....há que viver, há que continuar... como se costuma dizer, quem não tem cão caça com gato.... não podemos continuar a fazer as coisas tal como fazíamos? paciência... fazem-se de outras formas... o importante é continuar a fazer porque se continuarmos as nossas rotinas, trabalho, hobbies, lazer.... ganhamos a sensação de pertencer ao mundo dos vivos..... e isso é tão importante nesta fase....

Foi difícil conviver com o sunitinib mas mesmo assim ainda resisti até Maio de 2017, altura em que a minha médica atual decidiu mudar para o pazopanib para que eu tivesse menos efeitos secundários e mais qualidade de vida, o que de facto e felizmente aconteceu....

A vida de um doente oncológico sem cura é como um corredor sem portas, não dá para virar para lado nenhum... também não dá para parar porque isso é antecipar a morte, então há que caminhar.. avançar em frente de cabeça erguida, ainda estamos vivos, celebremos!


segunda-feira, 19 de março de 2018

1ª Decisão pós cancro - Travessia dos Pirinéus


Tive a noticia das metástases e toda a panóplia do champalimaud e psicólogo na semana anterior a uma atividade que tinha marcado para as montanhas, levar um grupo de 18 pessoas do meu grupo de caminhadas para os Pirineus fazer uma travessia entre refúgios com 5 dias de percurso sempre por cima dos 2.000 metros e ascensão ao pico mais alto dos pirineus catalães, o pico do estado, ou pica d'estats a 3.143 m de altitude.

Pode-se imaginar o meu estado anímico face a esta atividade programada.... a primeira ideia que me ocorreu foi desistir... havia outros dois elementos que tinham experiência em guiar o grupo, inclusive um deles tinha experiência em alta montanha e por isso tudo se poderia resolver sem mim... mas ao mesmo tempo não tinha condições psicológicas para falar nisto aos meus amigos, tudo era novo, inesperado, perdido... o que se possa imaginar.. então falei com 1 das pessoas que me podia substituir a apresentar a minha desistência, contei-lhe o ocorrido, e a ele devo o facto de não ter desistido, encorajou-me a ir, a guiar o grupo como se nada fosse e a enfrentar a realidade... acabei por aceitar e fui.... hoje agradeço do fundo do coração ao meu amigo Arménio que me deu a força que me faltava e me encorajou a ir....e foi talvez a primeira de muitas decisões positivas que marcaram todo o meu percurso nestes tempos.

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No dia 10 de Agosto, lá partimos direito aos pirineus catalães, fazer o percurso da Porta del Cel... durante os 5 dias guiei o grupo tal como o teria feito se não tivesse esta noticia comigo... durante o dia estava tão ocupado e focado no percurso, no trilho, na responsabilidade do grupo e isso fez com que fosse mais fácil desfocar do meu problema e à noite tomava Xanax que juntamente com o cansaço me ajudava a dormir até à manhã seguinte.... e foram 5 dias maravilhosos em que experimentei as sensações mais estranhas e mais antagónicas que se possa imaginar, lembro-me de no ultimo dia haver uma subida muito íngreme...e o grupo já apresentava algum cansaço e eu subi na frente e gritei para os motivar - vocês são grandes, vocês são capazes, bora lá.... força na subida e ao mesmo tempo que soltava palavras de encorajamento as lágrimas corriam-me pela cara abaixo.... mas consegui limpá-las a tempo de eles chegarem ao local onde eu estava.... minutos depois tirava uma foto a dar um passo de tango com a minha mais que tudo... para memória futura...



No final, quando chegámos aos carros e ao hotel onde iríamos ficar para regressar a casa, veio a parte mais difícil.... O regresso à realidade... a confrontação com um futuro escuro e ou mesmo a sua ausência... devo admitir que foi duro, lembro-me como se fosse hoje a tomar uma cerveja com uma amiga que sabia da história lhe comentar... Como vou eu ser capaz de viver sem futuro? Como?

Mas afinal habituei-me mais facilmente do que esperava a essa realidade, viver o Hoje!



Metástases



Em Julho de 2016 fiz o 1º tac pós nefrectomia (remoção do rim), esperei cerca de 1 semana e recebi a noticia num triste sábado em casa por email.... Fui operado e seguido no hospital da Cuf das Descobertas e aderi ao My Cuf, que envia por email todos os resultados de exames, marcações de consultas, etc., é um sistema muito eficaz mas que como todas as coisas tem uma parte boa e outra má... esta rapidez de informação quase online fez com que recebesse a noticia em casa a frio... sem sequer um médico para me elucidar do que quer que fosse.... ao ler o relatório encontrei logo o diagnóstico, metástases milimétricas nos pulmões!

Foi duro... muito duro... principalmente quando se começam a fazer pesquisas pelo google e nos dão as estatísticas e as sobrevivências espectáveis com base no histórico... Num primeiro momento não queremos acreditar, tudo parece um sonho.... depois na 1º consulta na Cuf o médico minimizou a realidade pintou um quadro cor de rosa... inclusive disse-me que ia tomar um medicamento durante 3 meses e os nódulos pulmonares iriam desaparecer....

Saí da consulta um pouco mais calmo mas ao mesmo tempo confuso e incrédulo... fui à fundação Champalimaud, onde um especialista neste tipo de cancros me mostrou um quadro bem menos favorável, as metástases não eram 3 mas 7... não estavam apenas num dos pulmões mas nos dois... e quando o confrontei com a esperança de vida, disse-me: " só conheço um caso que está vivo à 6 anos, mas esse é um caso muito especial, que não se pode comparar".... Saí da consulta sem saber o que fazer nem dizer, nem pensar... completamente perdido.... de repente lembrei-me: será que um psicólogo me pode ajudar a processar isto? Revolta nunca senti, mas perdido e sem apoio senti-me....

Dirigi-me à Cuf ali próxima e procurei um psicólogo, obtive logo consulta e a mesma não poderia ter corrido pior... o psicólogo, penso que nunca tinha sido confrontado com uma situação destas e nitidamente sem saber o que fazer, disse-me:" já vi aqui que faz montanhismo... deixe-se dessas coisas....entre de baixa, faça o menos de exercício possível, não fale nisto a ninguém... nem à sua família, tome ansiolíticos e anti-depressivos e deixe-se ficar em casa".... eu fiquei perplexo e ainda pior do que já estava... o que me valeu naquela hora foi que o psicólogo não podia receitar medicamentos e então passou-me a um médico de clínica geral que dava consulta na sala ao lado, que me disse: "eu não sei o que lhe disse o meu colega, mas eu acho que o senhor tem que continuar a fazer as suas rotinas tal e qual como tinha até aqui, trabalhar, fazer as caminhadas que fazia e tudo o resto"... e eu respondi: "mas doutor... eu costumo fazer caminhadas de 20 e tal kms com muitas subidas e com a medicação não vou conseguir"... e ele perguntou: "e quando tempo demora?", "cerca de 6 horas", respondi eu, "então agora demora o dobro mas faz os mesmo kms, essa deve ser a sua perspectiva"... foi de facto este médico de clínica geral que me ajudou a levantar e a seguir o meu caminho.... Muito grato por o ter encontrado naquele dia.... pois segui os seus conselho e ainda aqui continuo a fazer as minhas caminhadas e a ir para as montanhas....

Neste caminho das doenças oncológicas nem mesmo a própria classe médica está minimamente preparada para lidar com os doentes e os ajudar verdadeiramente....



domingo, 18 de março de 2018

Depois da cirurgia


Quando me foi diagnosticado o cancro, fiquei aterrorizado como qualquer ser humano nestas circunstâncias, mas logo nos exames que me foram efectuados se concluiu que o cancro estaria confinado ao rim (aparentemente estaria curado) e nesse caso, a percentagem de sobrevivos ao fim de 5 anos rondava os 80%, o que me deu muito ânimo e positividade para continuar toda a minha vida. 2 semanas após a operação já andava 8 km a pé (já tinha uma experiência de alguns anos de caminhadas e montanhismo), reiniciei o trabalho normalmente e todas as minhas rotinas estavam reestabelecidas à 3ª semana após a cirurgia.

O cancro renal não reage nem à quimioterapia convencional, nem à radioterapia, pelo que neste cancro não são administrados tratamentos de químio nem de rádio. O que por um lado é mau para o tratamento da doença, por outro, é também um beneficio na medida em que não temos de aguentar os efeitos secundários bem conhecidos de todos...

Apesar do susto, a minha vida corria a todo o vapor... em Junho fui fazer montanhismo para a Córsega, fazer o mítico percurso GR20, um dos mais difíceis trekkings da europa ocidental, particularmente a parte norte que foi precisamente a que fui fazer... com a maior entusiasmo que se possa imaginar... depois de se passar por um diagnostico destes a perspectiva da vida muda radicalmente, começa-se a apreciar tudo o que nos rodeia.... a vida!!!! e foi assim que fiz o GR20 na companhia da minha mulher e com uma empresa de trekking, pois se antes eu fazia estas aventuras sozinho agora sentia necessidade da segurança de uma empresa e um guia, não que eu me sentisse incapaz, mas porque me sentia mais seguro....









Depois disto ainda subi ao pico mais alto da península, o Mulhacén na Sierra Nevada, a cerca de 3.500 metros de altitude... 






Foi um tempo de grandes alegrias, gratidão sem fim, pela forma como me encontrava depois de tudo o que se tinha passado... recordo com saudade estes tempos que duraram pouco mas que foram tão intensos.....

Pouco tempo depois, em Julho tudo se modificou....







INTRODUÇÃO

Pois é.... tenho cancro renal! Em Janeiro de 2016, aos 53 anos, foi-me diagnosticado um tumor maligno no rim esquerdo... em Fevereiro foi-me removido o rim por laparoscopia, tendo na altura sido a opinião médica geral que o tumor estaria circunscrito ao rim, mas no primeiro controlo de tac, em Julho seguinte, fiquei a saber que afinal havia metástases milimétricas nos pulmões. Iniciei o tratamento com bloqueadores de angiogénese, primeiro o sunitinib (Sutent) e depois com o pazopanib (Votrient), o primeiro com muitos e fortes efeitos secundários e e o segundo já com menos efeitos e mais fracos, ainda com algum desconforto mas ainda assim suportáveis...

Actualmente ainda me encontro na primeira linha de tratamento..., existem mais 2 linhas com efeitos mais fortes e menos eficazes... depois disso serão os tratamentos paliativos e o fim....

Vou aceitando o meu final aos poucos conforme consigo, com avanços e recuos na aceitação, com momentos de tristeza e dor (por enquanto ainda não física), um dia de cada vez... mas ainda consigo ter momentos felizes de eternidade... é preciso procurá-los, a felicidade não vem de fora, vem de dentro... há que construí-la.... a morte é eminente, sei que não vou viver muito tempo, mas sei que posso melhorar o tempo que me resta... é nesse aspecto que foco os meus dias, nas minhas rotinas, no meu trabalho, nos meus hobbies, nas minhas viagens, nos meus encontros com os amigos e família, tudo serve para melhorar a qualidade da minha vida... porque a vida há que vivê-la com sentido....porque é uma dádiva que o poder superior nos oferece.. seja qual for o poder superior em que acreditemos ou mesmo na falta dele... ela nunca deixa de ser uma dádiva....


Vou tentar neste blogue transmitir os momentos que passei, bons e maus, tendo como objectivo ajudar a melhorar as vida das pessoas que se encontram em situações semelhantes à minha e se possível criar um grupo de amigos que possamos entre ajudar-nos mutuamente, porque quando entramos neste mundo oncológico sem esperança de cura.... entramos num caminho solitário que amplia a nossa dor e o nosso sofrimento... raramente as pessoas nos conseguem ajudar... muitas vezes com a melhor das intenções mais não fazem do que aumentar a nossa angustia e assim contribuir para o nosso maior isolamento.... não é fácil... mas não tem necessariamente que ser tão mau...


Espero sinceramente que possa ajudar alguém!